segunda-feira, 12 de outubro de 2020

AO DIA DAS CRIANÇAS ( com Manoel e seu devir-criança)

 

O poeta Manoel de Barros já passava dos 80 anos quando um editor pediu que ele escrevesse três memórias: da infância, da vida adulta e da velhice. Imaginava o editor que o longevo poeta teria  muito a falar de si, sobretudo de seus prêmios , sucesso e  fama ( que vieram para Manoel somente depois dos seus 60 anos...). Talvez se esperasse que Manoel  , na memória da velhice, desse  conselhos e proferisse palavras de sabedoria nascidas de sua  avançada idade.

Depois de algum tempo, o poeta enviou ao editor o seguinte livro: “Memórias da primeira infância”. Meses depois, o poeta deu à luz nova publicação: “Memórias da segunda infância”. Após novo intervalo, outra obra nasceu: “Memórias da terceira infância”. Como as memórias da vida adulta e da velhice não apareciam, o editor tomou coragem e indagou Manoel a respeito, e assim o poeta respondeu: “ só tive infância, não tive velhez. Só narro meus nascimentos”.

 A palavra “velhez” é uma invenção do poeta, um neologismo. “Velhez” não é uma idade, “velhez” é quando os dias vividos se tornam um peso curvando as costas, não importando a idade que se tenha. “Velhez”   é a  vida  prostrada, de joelhos, sem forças para caminhar e avançar. Às vezes, é a própria sociedade que sofre de “velhez” : quando seu futuro , ainda nem chegado, já parece extinto...

“A única coisa que carrego é meu chapéu: moro debaixo dele”, explica-se o andarilho-poeta. “Chapéu” é como Manoel nomeia as ideias que protegem os pensamentos que dão caminho às pernas: “sobre o meu chapéu um casal de pardais fez um ninho: há nele ovos sendo chocados, como dentro de mim dias novos”.

O poeta também diz que  "velhez" é um tipo de vida  que se perdeu de seu "embrião", de seu começo e “minadouro” . O embrião nunca  está num passado remoto e morto. Mesmo o imenso rio amazonas tem seu embrião lá no alto dos Andes: mesmo há muitos anos a correr , o rio ainda está a nascer agora, umbilicado às águas novas. O que para o rio são as águas, para o poeta são as fontanas palavras de seu “devir-criança”: “A palavra até hoje me encontra na infância ; não avanço para o fim, avanço para o começo: para a Origem que renova ” (Manoel de Barros).










- o genial Tom Zé ( ao vivo):
  

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