quinta-feira, 1 de outubro de 2020

orfeu, castro alves, neruda, manoel & elis

 

Orfeu foi o primeiro dos poetas. Ele cantava  sua poesia tocando a lira. Até então, a lira era um instrumento que apenas o deus Apolo podia tocar . Do alto do Olimpo , Apolo tocava a lira , mas sem cantar. Somente  os deuses  a tal música   podiam escutar  . Orfeu aprendeu a tocar a lira   combinando o som do instrumento com sua voz que cantava.  Antes de Orfeu,  o canto era uma arte de Dioniso apenas . O canto dionisíaco  era  expressão do “Pneuma”: sopro intenso  que o corpo  transbordante de vida libera . Quando a vida enfraquece e parece que se  ausenta , pensamento e ação em nós também perdem força,  e de certo modo  nos tornamos ausentes também . Mas quando a vida se intensifica , a vivemos sem distância :  fazendo-nos presentes à vida também . Assim é o Sopro de Dioniso : presença da Vida  em nós , Vida esta que em Orfeu se fez canto, para assim aumentar a presença da Vida em nós. Orfeu não cantava para o Olimpo Inacessível , tampouco aceitava  cantar  dentro de templos ou palácios. Orfeu cantava na rua, na praça , nos campos: em espaços abertos, horizontados . Ninguém  permanecia o mesmo após ouvir tal canto :  os bons ganhavam coragem , enquanto os maus perdiam força ; a sabedoria tomava a palavra ,   a ignorância era vencida e ficava   calada.  Até as árvores frutificavam ao ouvirem Orfeu, mesmo sob o inverno. Fontes brotavam, flores desabrochavam, apesar do deserto. Mas  Orfeu, cantor da vida,  despertou o ódio dos cultuadores da morte. Certa vez, essas forças obscurantistas armaram uma emboscada, prenderam Orfeu e covardemente o decapitaram, imaginando assim que o silenciavam.  Mal se afastaram , porém, novamente ouviram a voz do poeta , e cantando ainda mais forte  . Olharam para trás e viram que o poeta cantava apenas com a cabeça : vencendo os carrascos, sua arte ainda perseverava.  Onde houver um canto que resiste, nele a voz de Orfeu ainda vive.

 

“Sei falar a linguagem dos pássaros: é só cantar.” (Manoel de Barros)

 

“Descanse tranquilo onde cantam: os maus não cantam.” (Schiller)










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