Na mitologia, uma das nove Musas se chama “Erato”. “Musa” significa: “conhecimento
que vem das artes.” De “Musa” vem “música” e “museu”, pois música e museu
também ensinam, com eles também se aprende. Antes de escreverem suas poesias , os poeta antigos evocavam Erato para os auxiliar a encontrarem o que eles queriam
expressar. Pois antes de a poesia se
tornar palavra, ela deve ser encontrada,
primeiro, na Vida, no Cosmos. Erato é a Musa que auxilia nessa busca e processo de pôr
no escrever o que primeiro se experimentou vivendo. Erato inspira toda obra que nasce do desejo, pois “Erato”
vem de “Eros”, o “Amor”. É Erato que parece inspirar também este verso de Manoel de Barros: “A palavra abriu o
roupão para mim: ela quer que eu a seja”. A inimiga de “Erato” é “Éris”, divindade
obscura ligada ao Ódio e à Vingança. Negadora da vida, Éris é a antipoesia.
Deleuze narra um acontecimento que
parece inspirar-se também na potência transmutadora de Erato. Trata-se do encontro amoroso entre
uma orquídea e uma vespa. Apesar de não terem pernas, as orquídeas criaram um meio de se encontrarem.
Entre uma orquídea e outra há uma
distância que somente uma arte originalíssima será capaz de vencer. A orquídea
vence tal distância da seguinte maneira: mesmo sem ter mãos, a orquídea esculpe em suas pétalas o órgão genital de uma vespa
fêmea. Diferentemente de um escultor que esculpe em algo diferente dele mesmo, a
orquídea esculpe sua obra em seu próprio ser, em seu próprio corpo, de tal modo
que entre a artista e sua arte já não há
distinção. Ao ver o que pensa ser um outro indivíduo de sua mesma espécie, a
vespa real se une à vespa inventada que
a orquídea-artista criou .Ao sair do seu ato de amor com seu corpo imantado de
pólen , a vespa se torna o instrumento de fecundação entre as duas orquídeas distanciadas no espaço,
mas que se encontram e se amam por intermédio das asas da
vespa. Em grego, um dos sentidos de “eros” é “asas”... Assim como Van Gogh
criou um girassol feito de tintas, a orquídea inventou uma vespa feita de
pétalas, fabricando um “devir-vespa”. A
arte não é imitação da vida, a arte é a vida mesma . Sem precisar de pernas ou
se mover no espaço, uma orquídea encontra a outra por intermédio de uma “linha
de fuga” feita nas asas da vespa. A própria
natureza ensina que não basta ter ideias que só fiquem teoricamente no
pensamento : é preciso inventar os meios que as tornem agenciamentos que
fecundam .
“Adoro orquídeas. Já nascem arte.”(
Clarice Lispector)
“A arte é bem realizada quando com a
natureza se parece; e, por sua vez, a natureza é bem sucedida quando expressa a
arte em seu seio.” (Longino)
( este maravilhoso livro é
uma das inspirações da narrativa de Deleuze )
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