No livro “Ideias para adiar o fim do
mundo”, o pensador indígena Ailton Krenak nos mostra como os povos da floresta
agem para evitar a ameaça de fim de mundo: mais do que o cacique , enquanto
“chefe político”, ou o pajé, o “chefe religioso”, assume o comando aquele
que é uma “pessoa coletiva”. Nos
povos da floresta a “pessoa coletiva” não é alguém com “muitos eus” ou
“personalidades”. Diferentemente, a “pessoa coletiva” é aquela que diz
narrativas que expressam o “nós” da comunidade. Somente sendo uma “pessoa
coletiva” se pode ser uma singularidade. A “pessoa coletiva” não profere ordens
e nem cultos, ela tece narrativas. São as narrativas de uma “pessoa coletiva”
que potencializam a comunidade para enfrentar as ameaças de fim de mundo. A
“pessoa coletiva” é o poeta da comunidade. Entre os povos da floresta, o poeta
não tem nome próprio designando um ego, pois seu nome é “pessoa coletiva”. É
assim que o poeta é chamado: “pessoa coletiva”. O poeta expressa um poder diferente daquele que exerce o cacique, o
poeta promove curas para enfermidades
que o pajé não consegue curar, e trava
guerras cujas armas não são lanças ou flechas, pois sua guerra é a resistência
por intermédio da palavra que não deixa
morrer um mundo, o mundo dos povos da floresta.
A “pessoa coletiva” é um “agente coletivo de enunciação”, diriam Deleuze
& Guattari; e nela fontaneja um “afloramento de falas”, tal como aflora na pessoa coletiva Manoel de Barros, um dos
poetas da nossa tribo. Segue um trecho do livro de Krenak:
"Como os povos originários do
Brasil lidaram com a colonização, que queria acabar com o seu mundo? Quais estratégias esses
povos utilizaram para cruzar esse pesadelo e chegar ao século XXI ainda esperneando,
reivindicando e desafinando o coro dos contentes? Vi as diferentes manobras que
os nossos antepassados fizeram e me
alimentei delas , da criatividade e da poesia que inspirou a resistência desses
povos.(...)Muitas dessas pessoas não são indivíduos, mas 'pessoas coletivas',
células que conseguem transmitir através do tempo suas visões sobre o mundo."
("Ideias para adiar o fim do mundo", p. 28)
"Tenho em mim um sentimento de
aldeia e dos primórdios. Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens.
Não sei se isso é um gosto literário ou uma coisa genética. Procurei sempre
chegar ao criançamento das palavras. O conceito de Vanguarda Primitiva há de
ser virtude da minha fascinação pelo primitivo. Essa fascinação me levou a
conhecer melhor os índios.” (Manoel de Barros)
- Outro trecho do livro:
“Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido em viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. (...) O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre o adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso , estaremos adiando o fim” (p. 26).
Nenhum comentário:
Postar um comentário