Muito se fala, com razão, das flores.
Rosas, girassóis, crisântemos, margaridas...já foram homenageadas em músicas,
poemas, pinturas. Mas pouco se fala do cacto. Acho uma injustiça com esse artista
da resistência. Na dele, sem chamar a atenção, o cacto é capaz de atos que trazem a beleza da generosidade.
Assim age esse perseverante resistente: o cacto
é a planta que possui a maior raiz. A extensão de sua raiz chega a nove ou dez
vezes o tamanho do corpo do cacto que vemos à superfície do chão. Quem mede o
cacto apenas pela sua parte visível, e pensa que a parte que vê é todo o ser do
cacto, por certo ignora o que o cacto é capaz de fazer. O cacto cria imensas
raízes para sondar o subsolo , não se deixando vencer pela aridez que o cerca.
As raízes do cacto tateiam procurando veios d’água metros abaixo da paisagem seca.
Ele persevera procurando no coração da Mãe Terra a água que o Céu lhe nega.
Quando encontra a água, o cacto anuncia sua descoberta brotando flores: em
pleno árido , ele inaugura uma primavera. Então, ele sorve o líquido e se
intumesce , de água fresca ficando grávido. Basta um pequeno furo para a água
jorrar matando a sede dos necessitados. Foram os cactos do sertão nordestino
que, no passado, não deixaram morrer de sede a rebeldia de Lampião e seu
cangaço ; e a flor que Maria Bonita punha no cabelo também floresceu do cacto.
No Nordeste , o cacto é o mais forte símbolo de resistência da vida . E ainda
matou a sede de Lampião e deixou a Maria ainda mais Bonita.
“Quando não pode ser cristal, a
poesia vale pelo que tem de cacto.”(João Cabral de Melo Neto)
TECENDO A MANHÃ / João Cabral de Melo
Neto
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de
galo,
para que a manhã, desde uma teia
tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
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