quinta-feira, 15 de outubro de 2020

ao dia dos professores

 

Tempos atrás, um amigo me perguntou se eu aceitaria lecionar filosofia para seus dois filhos, um de 10 anos e outro ainda mais jovem. Aceitei. O curso era para durar 1 mês, acabou durando 1 ano. O mais velho se chamava Alexandre, carinhosamente rebatizado “Xandinho”. Certo dia , ele e o irmãozinho estavam brigados. Aproveitei para dizer ao Xandinho: “você sabia que ‘Alexandre’ significa ‘protetor da humanidade?’”. Ao ouvir isso, ele olhou para o irmãozinho e, sem dizer nada, o abraçou com cuidado . Naqueles encontros, eu “ia até à infância e voltava”, como diz Manoel de Barros, e aquele que ia não era o mesmo que retornava. E o que voltava vinha de lápis de cor na mão, e aprendia que as ideias que valem a pena ensinar se deixam desenhar com lápis de cor. Algumas ideias eu ensinava falando, outras eu desenhava para eles colorirem: a forma era minha, mas as cores eram eles que escolhiam para pintar, com as mãos livres . E eles coloriam sempre multicoloridamente, nunca em preto e branco.

Perto do fim do ano, houve um feriadão. Toda a família desse amigo viajou para Londres, incluindo os dois meninos. No retorno, assim que entrei no apartamento, o pai pediu para o Xandinho me narrar o que aconteceu em Londres, mas o menino saiu correndo, como se tivesse feito uma arte, uma “peraltagem”, diria Manoel de Barros . Eles foram ver, entre outras coisas, a cerimônia na qual a Rainha da Inglaterra passa à frente do público, e todos se ajoelham em reverência, olhos no chão. Então , o pai mesmo me contou o que aconteceu: quando a Rainha , cheia de pompa e ouro, passou diante deles, todos se ajoelharam diante de seu poder, exceto o Xandinho. Ele ficou de pé, de braços cruzados, firme, olhando diretamente para a Rainha, que virou a cabeça para olhar , espantada, o pequeno insubmisso. Quando a mãe indagou ao menino porque ele não se ajoelhou como todo mundo, ele respondeu : “Não ajoelho diante de quem é igual a mim”. Ao ouvir isso, a mãe disse ao pai: “acho que já está na hora de nosso filho parar de ter aulas de filosofia...”. Nesse mesmo dia em que ouvi o relato, dei minha última aula aos garotos. No fim, o menino da peraltagem me perguntou: “Vai ter prova?”. Respondi: “Não , você já está aprovado. Com dez.”

 

(Aos “Xandinhos / Xandinhas ” e à querida Professora Nadir, que lecionou filosofia para mim no 2º grau, a primeira professora que me ensinou a ficar de pé. Minha homenagem também aos  inesquecíveis mestres aos quais tudo devo: Cláudio Ulpiano, Junito Brandão ,Luiz Alfredo Garcia-Roza e Gerd Bornheim . Como diz Manoel de Barros:  “O melhor de mim sou Eles." )


              ( imagem: o professor Deleuze em sala de aula)











Como minha querida Professora Nadir não escreveu livros, posto esta imagem que me fez lembrar dela  , com o trecho de um poema de seu poeta preferido. Na foto,  Stheffany Rafaela, moradora de uma comunidade do Recife, que transforma em sala de aula as vielas de sua comunidade. Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press.



A primeira vez que passei este filme foi quando lecionei filosofia da educação em um curso de formação de professores. Uma das maiores emoções da minha vida foi assistir esse filme com os alunos, que eram também professores.  Todos ficaram muito emocionados ao fim do filme, que mostra, entre outras coisas, o grande potencial libertário que a educação autêntica pode ter; e , exatamente por isso, o risco que ela corre quando os ignorantes fascistas chegam ao poder. 







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