terça-feira, 6 de outubro de 2020

museu da maré & marielle

 

No Museu da Maré há um espaço dedicado a Marielle Franco. Na exposição que leva seu nome, foi escolhido um objeto singular para nos fazer lembrar a vereadora: a porta do seu gabinete .Em sua atuação política, Marielle costumava colar mensagens na porta , além de sempre mantê-la aberta àqueles que vinham procurar por sua ajuda.

Pela ação de Marielle , aquela porta continha uma potencialidade de sentidos. E “potencialidade de sentidos” é o outro nome pelo qual atende a poesia enquanto prática de ressignificar as coisas e o mundo. Pois poesia não é só versos: poesia também é produção de sentidos que podem transformar uma simples porta em um agente coletivo de enunciação . Transportada então para o interior do Museu da Maré, aquela porta se tornou um símbolo-mensagem do próprio ser de Marielle: porta aberta, receptiva, como seu sorriso.

Não por acaso, na mitologia era sob uma porta aberta, espaço de travessias, que se manifestava Hermes, a divindade associada à comunicação das mensagens que requerem a prática da interpretação. Em grego, “interpretação” se escreve “hermenêutica”: “arte relativa a Hermes”. Mensagem não é a mesma coisa que informação. “A capital do Brasil é Brasília”, “dois mais dois é igual a quatro”, tais coisas não são mensagens. Mensagem é tudo aquilo cujo sentido requer a atividade de interpretação: “A palavra abriu o roupão para mim: ela quer que eu a seja”, este verso de Manoel de Barros não é informação, é mensagem. “O homem é um ser político”, outra mensagem. Mensagens não são para se decorar ou reproduzir, mensagens existem para despertarem nosso pensar e nosso sentir , para assim aprendermos a ler mais do que frases ou palavras: crítica e criativamente, aprendermos a ler também o mundo. Nem sempre mensagens se vestem com palavras, às vezes as mensagens vêm inscritas nas coisas ou são as próprias coisas portando sentidos a serem interpretados. A porta de Marielle é mensagem que simboliza o sentido da travessia e da abertura ao outro, sobretudo ao outro que é marginalizado, injustiçado, explorado, perseguido.

Os Museus Casa são espaços que já foram residência, quase sempre palácios e mansões (em geral de gente oriunda da elite) . O museu Casa de Rui Barbosa, por exemplo, foi a casa de verdade de Rui Barbosa. Mas pessoas do povo como Cartola, Nelson Sargento, Lima Barreto, Maria Carolina de Jesus, e tantos outros, não tiveram casa para ser patrimônio musealizado. A casa deles é a favela, a cultura popular, a criatividade e a inventividade do povo que luta. A porta de Marielle é parte de uma casa assim: uma casa plural, aberta, heterogênea...espaço de resistência à Casa-grande fascista.

Os assassinos de Marielle obstruíram covardemente seus passos. Mas a porta que ela simboliza , enquanto abertura à justiça, à educação e à cultura, esta porta nós não podemos deixar fechar.

 

- Imagem: “A porta de Marielle”








(Dissertação de Mestrado de Marielle)


https://ateliedehumanidades.com/2019/10/26/fios-do-tempo-a-porta-de-marielle-por-elton-luiz-leite-de-souza/


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