Caetano fez 82
anos nesta semana. Também já passaram dos 80
Gil, Chico, Tom Zé, Paulinho da Viola e, em breve, Bethânia. O níver de
Caetano me lembrou uma história envolvendo o poeta Manoel de Barros.
Quando fez 80
anos, Manoel recebeu
pedido de um editor para que escrevesse três memórias: da
infância, da vida adulta e, sobretudo, da velhice. Aos 80, o editor supunha que
o poeta teria muito a dizer sobre si e aconselhar aos outros,
principalmente aos jovens.
Passado algum
tempo, o poeta enviou ao editor o primeiro livro: Memórias da primeira
infância. Em todos os sentidos, o livro foi um sucesso. Tempos
depois, Manoel enviou novo livro ao editor: Memórias da segunda
infância. Como diz Manoel, poesia é saber
que “não vem em tomos” . Assim, a segunda
infância não era uma sequência da primeira , não era uma infância
posterior . A segunda infância era uma segunda ida do poeta à infância sempre
primeira.
Manoel reservava
ainda fôlego para uma nova ida à infância, e assim enviou ao editor um terceiro
livro: Memórias da terceira infância.
O tempo passou,
o poeta nada mais enviou ao editor, que tomou coragem e indagou: “Poeta, suas
três memórias da infância são extraordinárias, porém onde estão as memórias da
vida adulta e, sobretudo, da velhice?”
Manoel
respondeu : “Só tive infância”. E completou: “Nunca tive velhez. Só narro meus
nascimentos”.
Essa infância,
enquanto antídoto à “velhez”, não é uma determinada idade. Pois ela também é a
infância da linguagem, o seu fazer-se novidade para dizer o que ainda não foi
dito: “As crianças sabem dizer palavras que ainda não têm idioma”.
“Velhez”
também é quando os dias vividos se tornam um peso curvando as
costas, não importando a idade que se tenha. “Velhez” é
a vida prostrada, de joelhos, sem forças para caminhar e
avançar. Às vezes, é a própria sociedade que sofre de “velhez” : quando seu
futuro , ainda nem chegado, já parece extinto...
“A única coisa
que carrego é meu chapéu: moro debaixo dele”, explica-se o andarilho-poeta.
“Chapéu” é como Manoel nomeia as ideias que protegem os pensamentos que dão
caminho às pernas : “O poeta-andarilho abastece de pernas as distâncias”. Sobre
o chapéu do poeta um casal de pardais fez ninho: há nele
ovos sendo chocados, assim como , dentro do poeta, auroras .
Manoel e Caetano nos ensinam que a velhice nada tem a
ver com a velhez. E que criatividade e potência de vida não dependem da idade,
desde que se descubra o que na criatividade há de absoluto. “Ab-soluto”: “o que
não é soluto, o que não se dissolve”.
Fascismo
, ignorância e idiotia são reatividades da velhez que a
tudo quer dissolver com seu negacionismo. Mas arte, criatividade,
educação....são potências críticas e criativas que tornam a vida absoluta nas
ideias que aprendemos e ensinamos, nos versos que lemos ou escrevemos, enfim,
nas canções que, juntos ou sozinhos, cantamos.
“As coisas
migram e ele serve de farol..”
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