Gosto muito da
palavra “clínica”, bem como da necessária prática que ela suscita. O sentido
originário dessa palavra tem íntima relação com
filosofia , artes, educação e até
a mesmo com a política. Pois clínica não é apenas algo individual, também há a
necessidade de uma clínica coletiva que potencialize a vida digna.
Em seu sentido
original, “clínica” significa: “chegar perto”. Não chegar perto por mera
curiosidade, mas chegar perto para envolver de cuidados.
O bom médico é
sempre um clínico, ao passo que o mau médico mantém o paciente à distância como
se fosse mera “coisa”, objeto.
Uma filosofia,
uma obra de arte , um gesto ou uma palavra
se tornam clínicas quando nos auxiliam a nos aproximarmos de nós mesmos:
toda clínica cria proximidade.
Criar
proximidade não é o mesmo que diminuir a distância no espaço. O telescópio, por
exemplo, diminui a distância entre nossos olhos e a lua; porém o telescópio ,
enquanto aparelho inventado pela técnica, fica entre nossos olhos e a lua,
mantendo a lua externa a nossos olhos.
Mas quando lemos
num poema a lua retratada em versos, a poesia põe a lua próxima de nós. Porém é uma lua que somente
nossos olhos criativos podem ver, nunca a consegue alcançar um telescópio, por
mais poderoso que seja. Não em razão de a lua do poema estar longe, mas sim
por ela estar de nós próxima enquanto sentido que nos afeta e
toca.
A lua do poema
fica tão de nós próxima, que experimentamos em nós um devir-lunar que põe
amplidão de céu em nós. A técnica mantém a lua como objeto exterior a nós, mas
a poesia põe a lua em nós como clínico afeto que ilumina, apesar da noite em
torno.
Assim como o
poderoso telescópio James Webb nos faz
ver o nascimento de galáxias e berçários
de estrelas, um potente poeta ou filósofo nos faz ficar próximos daquilo que em
nós é um berçário de possibilidades.
Enfim, arte e
filosofia também são formas de clínica. Quando leio Clarice Lispector, por
exemplo, sinto como se ela fosse uma
pneumologista que nos ajuda a respirar ar puro vital para não sufocarmos .
Deleuze e
Cláudio Ulpiano são oculistas que
potencializam nossos olhos a verem melhor infinitos mundos, tanto os mundos de
fora quanto os mundos de dentro.
Manoel de Barros
e Fernando Pessoa são cardiologistas que
vitalizam o coração que por todo nosso corpo pulsa.
E Espinosa é o
clínico geral. Com ele aprendemos que a melhor maneira de vencermos as
doenças, incluindo as doenças que infestam o meio político, não é ficando com medo delas ou as odiando
reativamente; a melhor maneira de vencermos toda forma de doença é amando a saúde, sobretudo a saúde do espírito, e
agir a favor dela com a máxima potência que pudermos.
Para a luz
dissipar a treva, basta a luz acender a
si mesma.
(Imagem: “Noite sobre o Ródano” / Van
Gogh).
Na voz de Billie Holiday, a lua fica ainda mais próxima ...
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