sábado, 17 de agosto de 2024

Clínicas...

 

Gosto muito da palavra “clínica”, bem como da necessária prática que ela suscita. O sentido originário dessa palavra tem íntima relação com  filosofia ,  artes, educação e até a mesmo com a política. Pois clínica não é apenas algo individual, também há a necessidade de uma clínica coletiva que potencialize a vida digna.

Em seu sentido original, “clínica” significa: “chegar perto”. Não chegar perto por mera curiosidade, mas chegar perto para envolver de cuidados.

O bom médico é sempre um clínico, ao passo que o mau médico mantém o paciente à distância como se fosse   mera “coisa”,  objeto.

Uma filosofia, uma obra de arte , um  gesto ou  uma palavra   se tornam clínicas quando nos auxiliam a nos aproximarmos de nós mesmos: toda clínica cria proximidade.

Criar proximidade não é o mesmo que diminuir a distância no espaço. O telescópio, por exemplo, diminui a distância entre nossos olhos e a lua; porém o telescópio , enquanto aparelho inventado pela técnica, fica entre nossos olhos e a lua, mantendo a lua externa a nossos olhos.

Mas quando lemos num poema a lua retratada em versos, a poesia põe a lua  próxima de nós. Porém é uma lua que somente nossos olhos criativos podem ver, nunca a consegue alcançar um telescópio, por mais poderoso que seja. Não em razão de a lua do poema estar longe, mas sim por  ela estar de nós  próxima enquanto sentido que nos afeta e toca.

A lua do poema fica tão de nós próxima, que experimentamos em nós um devir-lunar que põe amplidão de céu em nós. A técnica mantém a lua como objeto exterior a nós, mas a poesia põe a lua em nós como clínico afeto que ilumina, apesar da noite em torno.

Assim como o poderoso telescópio  James Webb nos faz ver o nascimento de galáxias e  berçários de estrelas, um potente poeta ou filósofo nos faz ficar próximos daquilo que em nós  é um berçário  de possibilidades.

Enfim, arte e filosofia também são formas de clínica. Quando leio Clarice Lispector, por exemplo,  sinto como se ela fosse uma pneumologista que nos ajuda a respirar ar puro vital  para não sufocarmos .

Deleuze e Cláudio Ulpiano são  oculistas que potencializam nossos olhos a verem melhor infinitos mundos, tanto os mundos de fora  quanto os mundos de dentro.

Manoel de Barros e  Fernando Pessoa são cardiologistas que vitalizam o coração que por todo nosso corpo pulsa.

E Espinosa é o clínico geral. Com ele aprendemos que a melhor maneira de vencermos  as  doenças, incluindo as doenças que infestam o  meio político,  não é ficando com medo delas ou as odiando reativamente; a melhor maneira de vencermos toda forma de doença é amando   a saúde, sobretudo a saúde do espírito, e agir a favor dela com a máxima potência que pudermos.

Para a luz dissipar a treva,  basta a luz acender a si mesma.

 



(Imagem: “Noite sobre o Ródano” / Van Gogh).




Na voz de Billie Holiday, a lua fica ainda mais próxima ...

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