quarta-feira, 1 de setembro de 2021

a democracia originária

 

Em muitas comunidades  indígenas também se delibera e vota , e várias dessas comunidades teriam muito  o que ensinar sobre democracia , inclusive aos Gregos!

É um equívoco  imaginar que o cacique é “quem manda”. Nas assembleias dos povos indígenas a democracia é direta: cada um expressa sua própria voz e ouve, diretamente, a voz do outro que também delibera.

Na política representativa um deputado representa ( ou re-apresenta) o interesse de alguém ausente , ao passo que na ágora dos indígenas cada um participa presentando-se , isto é, fazendo-se presença  diante dos outros, seus iguais.

Nas comunidades indígenas  não existe interesse privado superior  ao interesse comunitário. Em grego, “privado” é “oikos”, de onde vem “economia”. Entre os povos originários também não há quarteis  ,   templos ou mercado   querendo se  sobrepor à comunidade.

Assim, entre os indígenas  o que vem primeiro é sempre a política, e não os interesses privados econômicos  ligados a grupos ou  famílias poderosas.

Nas votações e deliberações da democracia  indígena  há apenas uma condição para a decisão  vitoriosa virar regra  .   A condição é: a posição vitoriosa precisa ser unânime. Sendo unanimemente aceita, ela será vista como vitória de cada um. Por isso, tal decisão unânime tornada regra não precisará de polícias  ou repressão  para ser cumprida.

Ela se torna unânime não porque uma parte imponha a outra seu poder, mas sim em razão de precisar haver  uma  compreensão  de que a proposta vitoriosa é boa para a comunidade como um todo. Este é o sentido original de "un-ânime": uma única ânima ou alma. Nesse mesmo sentido, Espinosa também dizia que a ação comum movida pelo amor à liberdade de todos faz nascer uma alma comum, un-ânime,  em todos que assim agem.  

Quando a regra é assim, ela é obedecida sem precisar de ameaças , pois tal regra  não é lei a serviço de elites e castas. E quando  se detectava  índole de tirano em alguém , aplicava-se como punição o ostracismo.

Segundo Lévi-Strauss, entre os indígenas a decisão vitoriosa precisava ser unânime para não gerar derrotados. Pois    derrotados podem guardar  mágoas  geradoras de ressentidas   vinganças (como o Aécio Neves em 2014, hoje cúmplice do fascista que nem espera a derrota no voto em 2022  para já nos fazer ameaças).

Essa  sabedoria política dos indígenas  evitou que nascessem ódio internos que poderiam gerar divisões da sociedade em castas e classes desiguais, com uns se julgando superiores aos outros ou se achando dono da aldeia e querendo impor “Ordem” à força.

Nas comunidades indígenas, as ocas são amplas  e acolhem muitos em igualdade, elas não são uma “Casa-grande” para  poucos privilegiados.

Nessa democracia originária  não há privilégios, a não ser o privilégio de participar da comunidade e honrar os ancestrais. E os guerreiros não são generais que ameaçam o próprio povo supondo-o “inimigo interno”. Os guerreiros só agem contra as ameaças externas que colocam  em risco a comunidade .

A unanimidade  vitoriosa , desejo comum da comunidade, não era portanto a imposição da vontade de um chefe ou de um “Partido”, ela era construída coletivamente , pois o amor à aldeia era maior do que o apego  de cada um ao  próprio ego. Unanimidades conquistadas assim não são “burras”, são sábias.





- A referência que fiz a Lévi-Strauss está neste excelente livro:














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