sábado, 4 de setembro de 2021

o tato

 

Dos cinco sentidos que possuímos , o tato é o mais ancestral. Muitos seres vivos não têm olhos e nem ouvidos, porém possuem algum tipo de tato. Pois não existe ser vivo que não possua tato. É pelo tato que o ser vivo toca e é tocado.

De tato  vem “contato” ( “con-tato”). Não só os corpos fazem contato quando se abraçam, também fazem contato as almas quando se entendem mutuamente.

A palavra “afeto” se origina de um verbo latino que significa “ser tocado”. Assim, o afeto é uma questão de tato: tato consigo, tato com os outros, tato com o universo. Muitas vezes, não basta ter olhos e ouvidos para compreender uma situação, é preciso ter tato.

Empatia, solidariedade, tolerância, justiça, o conviver democrático das diferenças...Tudo isso pressupõe , primeiramente, tato social.

De tato também vem “intuição”. Enquanto a “dedução” é um procedimento lógico-abstrato, a intuição é um contato imediato e concreto com a realidade, tanto as externas quanto as internas.

Todos os outros sentidos vieram do tato. O gosto, por exemplo, é o segundo sentido mais ancestral, e nasceu também do tato. Pois o gosto nasce quando algo toca/afeta nossa língua e boca. Não por acaso, “saber” vem de “sabor”. Há ideias que a gente consegue sentir o gosto delas, se são alimento ou veneno. E ninguém descobre a importância do ler e do pensar se não desenvolver, antes, o gosto pela leitura e pelo pensar. Pois o gosto não é algo meramente teórico, o gosto está envolvido com nossa vida e nossas ancestralidades  corpóreas .

Mesmo a visão, tida como o sentido mais intelectual e espiritual, mesmo ela nasceu do tato! Isso aconteceu há milhões de anos , e tem por personagem  um ancestral nosso que vivia debaixo d’água. Ao ser afetado/tocado pela luz, esse ancestral conseguiu fazer com que parte da pele dele se especializasse em sintetizar as ondas luminosas. Ele passou essa capacidade  para seus descendentes e, com a evolução, surgiu  uma abertura ao mundo visível:  nasceu a visão. Sem a inventividade desse ancestral submerso nas cristalinas águas, não teria podido  surgir Platão e sua contemplação do Mundo Celeste...

Ninguém melhor do que Clarice Lispector compreendeu essa potência  inesgotável do tato enquanto “(re)descoberta do mundo”. Ela dizia que escrever não é retirar de dentro da cabeça ideias prontas  já conhecidas e pensadas. Escrever é pôr-se na ponta dos pés, elevando-se o máximo possível , mas sem perder o con-tato com a terra. Depois , esticar os braços e mãos o máximo que pudermos , para  com a ponta dos dedos do pensamento tocar e colher, com o afeto-tato, o fruto que nasceu da árvore mais alta, e que parecia, aos olhos,  inalcançável.


"O mais profundo é a pele." (Paul Valéry)






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