Dos cinco sentidos que possuímos , o
tato é o mais ancestral. Muitos seres vivos não têm olhos e nem ouvidos, porém
possuem algum tipo de tato. Pois não existe ser vivo que não possua tato. É
pelo tato que o ser vivo toca e é tocado.
De tato vem “contato” ( “con-tato”). Não só os corpos
fazem contato quando se abraçam, também fazem contato as almas quando se
entendem mutuamente.
A palavra “afeto” se origina de um
verbo latino que significa “ser tocado”. Assim, o afeto é uma questão de tato:
tato consigo, tato com os outros, tato com o universo. Muitas vezes, não basta
ter olhos e ouvidos para compreender uma situação, é preciso ter tato.
Empatia, solidariedade, tolerância, justiça, o conviver democrático das diferenças...Tudo isso pressupõe , primeiramente, tato
social.
De tato também vem “intuição”.
Enquanto a “dedução” é um procedimento lógico-abstrato, a intuição é um contato
imediato e concreto com a realidade, tanto as externas quanto as internas.
Todos os outros sentidos vieram do
tato. O gosto, por exemplo, é o segundo sentido mais ancestral, e nasceu também
do tato. Pois o gosto nasce quando algo toca/afeta nossa língua e boca. Não por
acaso, “saber” vem de “sabor”. Há ideias que a gente consegue sentir o gosto
delas, se são alimento ou veneno. E ninguém descobre a importância do ler e do
pensar se não desenvolver, antes, o gosto pela leitura e pelo pensar. Pois o
gosto não é algo meramente teórico, o gosto está envolvido com nossa vida e
nossas ancestralidades corpóreas .
Mesmo a visão, tida como o
sentido mais intelectual e espiritual, mesmo ela nasceu do tato! Isso aconteceu
há milhões de anos , e tem por personagem um ancestral nosso que vivia debaixo d’água. Ao
ser afetado/tocado pela luz, esse ancestral conseguiu fazer com que parte da
pele dele se especializasse em sintetizar as ondas luminosas. Ele passou essa
capacidade para seus descendentes e, com
a evolução, surgiu uma abertura ao mundo
visível: nasceu a visão. Sem a inventividade
desse ancestral submerso nas cristalinas águas, não teria podido surgir Platão e sua contemplação do Mundo
Celeste...
Ninguém melhor do que Clarice
Lispector compreendeu essa potência inesgotável
do tato enquanto “(re)descoberta do mundo”. Ela dizia que escrever não é
retirar de dentro da cabeça ideias prontas
já conhecidas e pensadas. Escrever é pôr-se na ponta dos pés,
elevando-se o máximo possível , mas sem perder o con-tato com a terra. Depois ,
esticar os braços e mãos o máximo que pudermos , para com a ponta dos dedos do pensamento tocar e
colher, com o afeto-tato, o fruto que nasceu da árvore mais alta, e que parecia,
aos olhos, inalcançável.
"O mais profundo é a pele." (Paul Valéry)
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