Certa vez, quando eu
passava por um momento muito difícil , sonhei que seria operado do coração.
Angustiado, eu pensava que não sobreviveria à operação. Não sei como fui parar
ali, por quais caminhos andei ou fui levado. Sabia apenas que haveria uma
operação e eu era o paciente a ser operado.
De repente, adentra a sala de cirurgia o
cirurgião. Ao vê-lo, meu medo desaparece, cheguei até a sorrir...Pois o médico
que me operaria era nada mais nada menos do que o poeta Fernando Pessoa!
No princípio, achei
estranho . Mas depois entendi que fazia sentido ser um poeta o cirurgião de um
coração angustiado.
Sem demora, o
cirurgião-poeta abriu meu peito, mas não com bisturi : não sangrou , nem houve
dor. Ele enfiou uma das mãos, porém não foi suficiente. Somente as duas mãos do
poeta conseguiram tirar meu coração do peito .
"Seu coração está pesado como um paralelepípedo! Preciso
extrair o que lhe pesa”, diagnosticou o cirurgião-poeta. “O que lhe pesa não é
coisa física, o que lhe pesa é a mágoa com o passado, a decepção com o presente
, o medo do futuro e a descrença nos homens”, disse-me ele enquanto extraía
tudo isso.
Quando olhei para a mão
do poeta , meu coração estava minúsculo, parecendo uma semente salva de um
fruto que perecia. Indaguei : “poeta, com esse coração pequenino como vou
sobreviver!?”
O cirurgião-poeta então
respondeu, terminando sua arte, sua “clínica”: “Ele está assim pequeno porque deixei apenas o coração da criança.”
Após ouvir isso despertei, e não apenas daquele sonho. Olhei pela janela: já amanhecia . Queria registrar o sonho e me virei para procurar caneta e papel. Então, algo que estava sobre meu peito caiu ao meu lado na cama, era um livro que adormeci lendo: “O Eu Profundo e os outros Eus”, de Fernando Pessoa.
"As terapias verbais me terapeutam." (Manoel de Barros)
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