domingo, 20 de junho de 2021

a chegada do inverno e a resistência da primavera

 

Segundo a mitologia, Hades é a divindade que habita a região escura muito abaixo da superfície da terra. Nesse lugar nenhuma luz entra.

Certa vez, porém, Hades ouviu risos vindo da superfície. Ele subiu e viu Perséfone... Ela estava com sua mãe , a deusa Ceres. De “ceres” vem “cereal”, pois Ceres é a divindade do plantio e colheita dos cereais. Ceres é filha de Cronos, o Tempo, com Cibele, a divindade  da fertilidade.

E foi em sua neta Perséfone que a fertilidade de Cibele se tornou uma força criativa semelhante àquela que vemos no artista, pois Perséfone é a deusa cuja arte é fazer nascer flores. Perséfone mata outra fome diferente daquela que Ceres mata: Perséfone mata a fome de beleza, de poesia e de cores.

Hades se apaixonou pelas flores e quis levá-las para enfeitar sua noite eterna. Foi uma imensa surpresa, pois ninguém imaginava que pudesse nascer em Hades um desejo por cores.

Num ato condenável, ele raptou  Perséfone para fazê-la morar lá embaixo . Porém, naquele mundo carente de luz , de Perséfone nasciam rosas só com espinhos , sem as pétalas, flores da dor que elas eram.

Enquanto isso, sentindo a falta de Perséfone, Ceres ficou deserta : o grão não mais germinava nela. Havia agora fome de pão e beleza, de pão e poesia, e ninguém sabia qual das duas fomes doía mais: a primeira esvaziava o estômago, a segunda ao coração secava .

Zeus interveio e foi feito então um acordo. Durante parte do ano Perséfone subiria para viver entre nós,  sua chegada nos  trazendo a primavera.  Durante outra parte do ano, uma parte  doída para nós, Perséfone viveria lá embaixo . Desta maneira nasceu o inverno: o período em que Perséfone desce para ir morar com Hades. Mas para nos confortar um pouco e minorar a tristeza pela sua ausência, Perséfone criou flores que florescem no inverno. Foi assim que nasceram a Tulipa, a Angélica , o Crisântemo , a Orquídea e o Lírio.

Amanhã começa o inverno. Perséfone nos deixará...

Ainda bem que pode nos socorrer e acalentar outra narrativa originária  , uma narrativa de autoria do povo  tupi-guarani, cujo sangue também corre nas nossas veias. Para esse povo, o   ipê  é  a árvore-filha mais potente e perseverante da Mãe-Terra, pois o ipê é capaz de florescer o ano inteiro em resistente primavera, mesmo sob o inverno.

“Árvore da Vida”, assim nossos povos originários chamam  o ipê. Nem o inverno, nem a ameaça da motosserra sanguinária dos predadores das florestas, impedem o ipê de florir.

 

 

“O céu da teoria é cinza;

mas sempre verdejante é a árvore da vida.” (Goethe)


(imagem: “Roots” /“Raízes”, de Frida Kahlo)



 









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