Segundo a mitologia, assim nasceu o
poeta:
Certa vez, as Musas decidiram descer do Olimpo para irem passear sobre o chão de Gaia , a Terra-Mãe Ancestral . Quando passaram perto de uma
aldeia, as Musas foram vistas pelos
seres humanos. Alguns se prostraram imaginando que elas desejavam servos, quando
na verdade elas queriam libertá-los ; os poderosos tentaram
comprá-las com presentes, ambicionando mais poderes em troca ; já os que só pensam em dinheiro desdenharam as Musas, dizendo que elas seriam mais úteis
se oferecessem moedas de ouro, em vez de
arte.
Enfim , nada do que as Musas tinham a
ofertar sensibilizou aqueles homens,
exceto um deles. Largando o arado e o cultivo da terra, tal homem aprendeu
outra forma de semear: despertado pelas
Musas , ele começou a semear com a voz, aprendeu a cantar. As Musas se foram, porém o deixaram encantado ( “en-cantar”: “estar grávido de
cantos”).
Ele cantava de dia e de noite, estivesse
alegre ou triste, nascesse ou morresse alguém. Seu canto tornava as Musas de
novo presentes, para que com a arte as
crianças também aprendessem (
“Musa” significa: “conhecimento que vem das artes”).
Mesmo as dores e sofrimentos já não
doíam tanto, quando transmutados em canto da dor sentida, como no blues e no
fado. E quando havia alegria, o canto
era festa que deixava a todos bêbados de vida, mesmo que não houvesse vinho.
Tempos depois, as Musas retornaram à
aldeia, queriam rever aquele que as viu e com elas aprendeu a cantar. Porém, o
tal cantador já havia morrido, estava enterrado. Em grego, cantador é “aedo”, o “poeta”.
O poeta-aedo morreu assim como viveu:
cantando.
Para que o canto do poeta viesse de
novo à vida, as Musas fizeram então seu túmulo se transformar em casulo, do
qual o poeta renasceu após uma
metamorfose: ele já não tinha mais formato humano ,nasceram-lhe asas. Porém, mais do que as asas, era seu
canto que o fazia voar de árvore em árvore, de ouvido a ouvido, de alma em
alma. Agora, seu canto nunca cessava: pois
o poeta se metamorfoseou na primeira
cigarra.
“As cigarras derretiam as tardes com
seus cantos.” (Manoel de Barros)
“Quero isso mesmo, esse silêncio
feito de calor
que a cigarra torna sensível.”
(Clarice Lispector)
“Poesia é voar fora da asa.” (Manoel
de Barros)
"Descanse tranquilo onde cantam:
os maus não cantam."( Schiller)
(imagem: “O semeador” / Van Gogh)
Um comentário:
BEAU GESTE, ILUSÃO, POESIA
robertomarques 17/11/2021
Nenhum poeta faz rima...
se ocupa de métrica,
ou o seu verso esgrima,
apenas com preocupação estética.
Tanto quanto um agricultor rima:
terra, água e sol
com alimento;
Quanto o músico rima:
melodia, harmonia e ritmo
com emoção que vem de dentro;
Também um pedreiro rima:
casa, escola, oficina ou templo
com abrigo necessário;
Assim como o alfaiate rima:
linha, agulha e pano
com agasalho e vestuário;
Todos esses são poetas,
Constroem imagens com suas linguagens, paridas do próprio sentimento,
para dialogar com a poesia
que em nossas almas existe
e aflora nalgum momento.
Eis que, na imagem poética,
há uma ilusão que resiste
à crueza desse mundo concreto.
Expressada em palavra ou gesto,
a essência da Poesia
transcende a Beleza pelo ato manifesto.
Cada poeta assim faz
em seu próprio dialeto.
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