terça-feira, 15 de junho de 2021

o nascimento do poeta

 

Segundo a mitologia, assim nasceu o poeta:

Certa vez, as  Musas decidiram descer do Olimpo para  irem passear sobre  o chão de Gaia , a   Terra-Mãe  Ancestral . Quando passaram perto de uma aldeia, as Musas  foram vistas pelos seres humanos. Alguns se prostraram  imaginando que elas desejavam servos, quando na verdade elas queriam libertá-los ; os poderosos   tentaram comprá-las com presentes, ambicionando mais poderes em troca ; já os que  só pensam em dinheiro  desdenharam  as Musas, dizendo que elas seriam mais úteis se oferecessem moedas de ouro,  em vez de arte.

Enfim , nada do que as Musas tinham a ofertar sensibilizou  aqueles homens, exceto um deles. Largando o arado e o cultivo da terra, tal homem aprendeu outra forma de semear: despertado  pelas Musas , ele começou a semear com a voz, aprendeu a cantar.  As Musas se foram, porém o deixaram   encantado ( “en-cantar”: “estar grávido de cantos”).

Ele cantava de dia e de noite, estivesse alegre ou triste, nascesse ou morresse alguém. Seu canto tornava as Musas de novo presentes, para que com a arte  as crianças também  aprendessem   ( “Musa” significa: “conhecimento que vem das artes”).  

Mesmo as dores e sofrimentos já não doíam tanto, quando transmutados em canto da dor sentida, como no blues e no fado.  E quando havia alegria, o canto era festa que deixava a todos bêbados de vida, mesmo que não houvesse vinho.

Tempos depois, as Musas retornaram à aldeia, queriam rever aquele que as viu e com elas aprendeu a cantar. Porém, o tal cantador  já havia morrido, estava  enterrado. Em grego, cantador é “aedo”, o “poeta”. O poeta-aedo morreu  assim como viveu: cantando.

Para que o canto do poeta viesse de novo à vida, as Musas fizeram então seu túmulo se transformar em casulo, do qual o poeta renasceu após  uma metamorfose: ele já não tinha mais formato humano ,nasceram-lhe  asas. Porém, mais do que as asas, era seu canto que o fazia voar de árvore em árvore, de ouvido a ouvido, de alma em alma. Agora, seu canto nunca  cessava: pois o  poeta se metamorfoseou na primeira cigarra.  

 

“As cigarras derretiam as tardes com seus cantos.” (Manoel de Barros)

 

“Quero isso mesmo, esse silêncio feito de calor

que a cigarra torna sensível.” (Clarice Lispector)

 

“Poesia é voar fora da asa.” (Manoel de Barros)


"Descanse tranquilo onde cantam:

os maus não cantam."( Schiller)

 

(imagem: “O semeador” /  Van Gogh)













Um comentário:

cauepizindim disse...

BEAU GESTE, ILUSÃO, POESIA
robertomarques 17/11/2021

Nenhum poeta faz rima...
se ocupa de métrica,
ou o seu verso esgrima,
apenas com preocupação estética.

Tanto quanto um agricultor rima:
terra, água e sol
com alimento;

Quanto o músico rima:
melodia, harmonia e ritmo
com emoção que vem de dentro;

Também um pedreiro rima:
casa, escola, oficina ou templo
com abrigo necessário;

Assim como o alfaiate rima:
linha, agulha e pano
com agasalho e vestuário;

Todos esses são poetas,
Constroem imagens com suas linguagens, paridas do próprio sentimento,
para dialogar com a poesia
que em nossas almas existe
e aflora nalgum momento.

Eis que, na imagem poética,
há uma ilusão que resiste
à crueza desse mundo concreto.

Expressada em palavra ou gesto,
a essência da Poesia
transcende a Beleza pelo ato manifesto.
Cada poeta assim faz
em seu próprio dialeto.