domingo, 6 de junho de 2021

o nascimento da teoria

 

Segundo a mitologia, assim nasceu a “Theoria”:

Zeus às vezes se comportava como um machista, usando de artimanhas para enganar  Hera, sua companheira. Desejando  conhecer  as faces que Zeus lhe ocultava, Hera quis ter olhos mais potentes para saber como Zeus  agia e se comportava quando não estava sob o olhar  dela.  Hera  desejava vencer a ignorância  e  encontrar um meio de ver Zeus de forma mais ampla, sem que ela fosse, no entanto, vista por Zeus.

Então, Hera  pede ajuda a Panoptes, cujo nome significa “visão por toda parte” ( o “panóptico” de que fala Foucault se origina de “panoptes”). Para ser o instrumento de potencialização dos olhos de Hera,  Panoptes  se transformou então num animal : o pavão, em cuja cauda há infindáveis olhos desenhados. Quando se abre em leque, a cauda do pavão lembra o nascer do sol. Por isso, em muitas culturas o pavão é o símbolo da “iluminação espiritual ”.

Os incontáveis olhos do pavão apreendiam  Zeus por vários ângulos, e viam até mesmo as faces ocultas que são incapazes de ver apenas dois olhos.

Os gregos chamaram de “theoria” a esse olhar que vê o objeto sob várias perspectivas. “Theoria” tem a mesma raiz de “theatro” , “lugar para  ver ”.  

O oposto de theoria é  “doxa”, a mera opinião. A doxa/opinião olha para as coisas fiando-se apenas nos dois olhos que cada um tem, reduzindo a complexidade da realidade   a uma narrativa estreita e pobre. Comparada com a theoria, a doxa é uma espécie de cegueira da alma.

Potencializando nosso olhar, a teoria procura abarcar a realidade  sob várias e diferentes perspectivas, e é por isso que da teoria nascem os livros, a ciência e a filosofia.

O “lugar de fala” também é um “lugar de olhar”. O lugar de fala de quem teoriza é um lugar social que promove o conhecimento,  saúde da mente coletiva. É um lugar plural , antídoto da intolerância e da idiotia.

Do lugar da  “doxa” , ao contrário, nasce uma fala egoica e reativa.  Quando essa fala adquire poder político ou militar, torna-se uma fala autoritária e persecutória das falas  diferentes dela.

Assim compreendida , a teoria não é abstração, e sim  o que une ideia e ação. Os meios de luta da teoria são  o lápis, o caderno, a educação,  os livros, a arte, a poesia; já a opinião se arma com “Dogmas”, intolerâncias, fanatismos...E quando se sente acuada, a opinião ressentida nos ameaça com armas literais mesmo, como as que usam o exército e a polícia.

Enquanto o pavão com seus olhos plurais é o símbolo da teoria, é o burro com viseira limitadora o animal que  retrata bem aquele que  segue e propaga  opiniões negacionistas.


( imagem: “máquina de guerra” cuja arma não mata, e sim  revoluciona e liberta)



- "Hera, Zeus e o pavão" ( fragmento de uma pintura de Rubens):




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