sábado, 19 de junho de 2021

19J: ALÉM DO #FORABOLSONARO, HOJE TAMBÉM É O ANIVERSÁRIO DE CHICO BUARQUE

 

Antes de ouvir Chico, eu o li. Antes de ouvi-lo como música, eu o li como poesia  que se lê para ampliar nosso pensar e sentir. Isso aconteceu na escola, numa época em que ainda pairava sobre nós a ditadura.

Eu não tinha mais do que 11 ou 12 anos. Eu já sabia ler livros : livros de história,  de geografia e até livros de literatura. Porém, até então eu não havia experimentado toda a potência que pode haver na leitura. E a potência da leitura nada tem a ver com apenas desenvolver o intelecto. Foi a poesia presente na canção popular que me fez aprender a ler. Ler não apenas a letra, mas os mundos que ela expressa: mundos por descobrir.

Li pela primeira vez Chico numa aula de língua portuguesa do antigo primeiro grau. Ao invés daqueles livros tradicionais que, na parte de interpretação de textos, empregavam os elitistas “parnasianos” , a nossa querida professora resolveu adotar um livro heterodoxo, plural: o livro apresentava as letras de músicas dos compositores que participaram dos festivais da canção .

Àquela época, tais festivais ainda eram recentes; porém , por ser  bem pequeno quando eles aconteceram, eu não tinha memória ou vivência deles. Sem dúvida, aquele livro fazia o que Foucault chama de micropolítica da resistência.

Quando li “Construção”, de Chico, experimentei pela primeira vez aquilo que Deleuze e Guattari chamam de “desterritorialização”. Desterritorializar-se é libertar-se  de um território habitual,costumeiro, ordinário.Como diz Manoel de Barros, desterritorializar-se é fugir do acostumado de toda cartilha,incluindo as cartilhas que tentam clicherizar  nossa percepção, palavras e maneiras de pensar e agir.

Ao ler Chico, eu não apenas me desterritorializava : também  me reterritorializava num território novo composto de sensações e afetos que não eram apenas pessoais.

Essa desterritorialização me ampliava para além dos muros da escola: me lançava no mundo, me inseria na pólis, abria meus olhos para o universo, o de fora e  o de dentro.

Foi a partir dali que me apaixonei por ler, e que compreendi que todo ler também é um “me ler” e “nos ler” ,sobretudo ler o sentido que nunca poderá ser reduzido apenas a livros , muito menos os de “Moral e Cívica” , a cartilha com a qual os milicos queriam  nos adestrar.

Embora eu não entendesse intelectualmente todos os significados imanentes à letra do Chico, algo em mim ali “desabriu” e “horizontou”, como diz Manoel de Barros. E creio que foi ali que comecei a descobrir  em mim, ainda em embrião, o filósofo.

Quando o pensar e o sentir  se tornam  duas asas abertas para voos de (auto)descobertas, experimentamos aquilo que Deleuze assim chamou: pop’filosofia!
















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