domingo, 26 de abril de 2020

a esfinge...


A arte diz respeito  à sensibilidade.Em grego, a palavra “aesthesis”  significa  “sensação”. Dessa palavra  nasce "estética", estudo da arte. Mas existe ainda o termo "poética". Essa palavra se origina de "poiésis" = "produção". Assim, a estética concerne à recepção da obra de arte, ao encontro com ela, ao passo que a poética pensa a sua produção, ou seja, o encontro do artista com a própria criação. Enquanto a estética sente a obra pronta, a poética sente, pensa e cria a obra a ser feita. Quando o poeta Manoel de Barros diz que ler poesia não é apenas ler palavras e sim empoemar-se, o poeta coloca a poesia para além da estética , fazendo da poesia o meio de uma "empoética". Empoemar-se é também sentir-se, pensar-se, fazer-se, curar-se, criar-se enquanto obra nunca antes feita. Enfim, empoemar-se é mais do que ler poesia, empoemar-se também é política, educação, saúde, clínica, subversão, rebeldia."Poesia pode ser que seja fazer outro mundo", diz o poeta. No verso, a ênfase está não tanto no mundo quanto no "fazer":  fazer outros mundos subjetivos e objetivos, fazer outros mundos líricos e políticos, fazer outros mundo singulares e coletivos. Pode ser que seja...  
     A arte sempre esteve então relacionada  à nossa capacidade de sentir,o que envolve diretamente o corpo. Como o corpo e a sensibilidade sempre tiveram um papel secundário nas culturas antigas, a arte sempre esteve também subordinada aos frutos do intelecto, estes bem mais valorizados.
Mas a arte também é uma forma de conhecimento, uma forma de conhecimento diferente daquele meramente teórico. A arte é uma forma  de conhecimento que tem como suporte também o corpo. Por esse motivo, a arte sempre esteve subordinada a outras formas de conhecimento que o homem produziu, conhecimentos estes mais intelectuais. Platão, por exemplo, dizia que a beleza que vemos com os olhos do corpo é uma imagem ou cópia da Beleza que apenas a alma pode ver com os olhos da razão. Essa beleza Ideal e Imaterial acabou virando o modelo da arte clássica, que prima pelo realce da forma (no mito, a forma é Apolo...).
Durante a Idade Média, a arte passou a ser subordinada às ideias da teologia. A partir do romantismo, surge a figura do artista como  individuo excepcional, e muitas vezes o artista era mais importante do que a obra.Com a sociedade industrial surge a possibilidade de reprodução das obras. Segundo Walter Benjamin, um importante filósofo da comunicação, com a “reprodutibilidade técnica” a arte teria perdido sua “aura” de objeto singular quase religioso.
 A arte contemporânea se caracteriza pela sua autonomia em relação a todos os antigos valores e conhecimentos que a subordinavam. A arte se libertou de sua subordinação à moral, à religião e à ciência;  ela se libertou até mesmo do público. O artista passou a criar quase que para os outros artistas, que supostamente deteriam os “códigos” para interpretar o que um artista quis dizer com sua obra.
Internamente, a própria arte sofre uma mutação em relação aos seus suportes: ela abandona a tela, na qual o quadro era representado como uma “janela para a realidade”. A arte não quer ser mais janela para o mundo, ela quer ser parte do mundo. Daí a arte ir para o espaço: ela o incorpora como elemento no qual ela se instala ( “instalação” tem esse sentido: a arte abandona os limites bidimensionais da pintura e vai para o espaço tridimensional, às vezes empregando objetos do próprio mundo).  Com isso, a arte rompe com os antigos modelos de interpretação calcados em uma narrativa linear, onde se representava um fato ou divindade. A arte não é mais apenas para ser vista ou contemplada: ela quer ser rodeada, pensada, interrogada, uma vez que ela mesmo nos interroga. Tal como a Esfinge, ela nos desafia: “Decifra-me ou...”







- imagem: "Portais da impermanência", de  Tunga.










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