A palavra “semântica” vem do grego “sema”, que também costuma ser
traduzido por “signo” ou “sinal”. Signo ou sinal é tudo aquilo cuja presença
aponta ou sinaliza para outra coisa . Por exemplo, a palavra “casa” é o signo
que “representa” ( re-apresenta) a casa concreta.
Na Grécia antiga quando alguém morria o corpo era cremado. Mas o fogo não
consumia tudo. E antes que ele se extinguisse totalmente, as últimas chamas
eram apagadas com água e vinho. A água para apagar o fogo, e o vinho para
co-memorar, criar memória, daquela vida. Morte não é apenas despedida, também é
celebrar que houve aquela vida.
Ao fim do rito, restavam apenas os fragmentos dos ossos alvos se
destacando sobre o fundo das cinzas. Esses fragmentos eram recolhidos e
guardados numa pequena urna, que então era plantada no seio da terra. Para os
Gregos , colocar a urna no seio da terra era um processo semelhante ao plantar
a semente , para que dela brote outra vida. Para os Gregos, só a vida é
absoluta, nunca a morte. “Ab-soluto”: o que não é soluto, o que não se
dissolve.
Depois , era confeccionada uma pequena tabuleta com o nome da pessoa ali
plantada e um epíteto , isto é, uma pequena frase semelhante a um verso que
expressasse e traduzisse a vida daquele cujo nome estava escrito na tabuleta,
que então era afixada sobre a terra onde
a urna foi plantada.
A tabuleta “sinalizava” e dava a conhecer uma vida, agora ausente. A
tabuleta era uma presença que sinalizava uma ausência. Os gregos chamavam essa
tabuleta de “sema”, pois ela era um signo que representava uma vida ausente.
Isso talvez ajude a compreender a enigmática frase de Platão na Carta Sete, na qual o filósofo
afirma que a filosofia não pode ser
escrita, a não ser secundariamente. Pois a filosofia nasce de uma experiência
originária do filósofo com a Ideia que o
torna filósofo, sem a mediação de signos. O texto escrito é o relato dessa
experiência ou experimentação transcendental. A filosofia é expressão da alma e
corpo vivos expressos sobretudo pela palavra viva , e não pela palavra escrita
como sinal que aponta para uma ausência, para uma morte.
A palavra “sema” é prima da “palavra “soma”, que em grego significa “corpo” ( como em “psicossomático”).Assim o sema é o corpo da palavra ( ou significante) , ao passo que a alma da palavra é seu sentido, que aponta ou sinaliza para o ser ausente que a palavra re-apresenta.
Mas acontece algo diferente com a palavra do poeta, pois a palavra poética
potencializa ainda mais o sentido. A palavra poética não re-apresenta algo
ausente , ela faz com que se torne presente nela uma existência que se torna
absoluta.
“A palavra abriu o roupão para mim: ela quer que a seja”, explica-se o poeta Manoel de Barros. A
palavra poética abre-se para o poeta amorosamente, para que a poesia que o
poeta escreve não seja apenas re-apresentação do mundo, mas criação de outros
mundos cujo sentido não se esgota apenas na palavra. É por isso que o poeta
também diz: “Poesia pode ser que seja fazer outro mundo”, pois poesia não é
representação do mundo dado , mas criação de outros mundos possíveis. O poeta também diz que “escreve com o corpo”,
o corpo vivo que não é apenas carne e osso, mas também espírito tangível que
também é fogo. Não como aquele fogo que destroi e consome, como o fogo do
ritual funerário, mas sim fogo que aquece e ilumina, chama que é da vida. Fogo
assim é o Princípio ou Arqué de tudo, ensina Heráclito.
Este texto tem como principal referência a Introdução escrita por
Jean-Pierre Vernant para este livro:
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