Eu ainda não havia despertado
totalmente, mas já sentia no ar a presença
de um novo dia que nascia. De repente, ouvi um som agudo provocado por
um bater de asas agitado e aflito que
passou roçando meu rosto. Abri então os
olhos: era uma pequena mariposa que se
aprisionou em meu quarto ainda um pouco escuro.
Não sei se era
uma jovem mariposa aprendendo
seus primeiros voos, sem confiança
ainda; ou se era, ao contrário, uma
mariposa já muito vivida querendo fugir do mundo, desiludida. O que sei é que
ela rodopiava atônita e perdida, como se tivesse presa num labirinto cujo centro era um vazio .
Levantei
da cama rápido querendo arranjar um jeito de auxiliar a mariposa a se
libertar daquele rodamoinho angustiante
que ela mesma criou para se atar.
Fui
à janela e a abri toda para que entrasse
a luz. Foi então que vi o dia...Que dia! Após uma noite
de chuva e frio , o céu abria-se
todo azul , enquanto o sol aquecia de novo tudo o que é vivo.
Com cuidado, cheguei perto da
mariposa e apenas lhe disse ( com a franqueza dos amigos que desejam o
bem um do outro) : “Com um dia desse, com essa amplidão para explorar voando,
você vem se enclausurar em meu quarto com medo!?Quem me dera ter suas asas...”
Juro: a mariposa foi acalmando
seu rodopiar aflito , reorientou suas
asas para novo sentido , parou de antecipar na imaginação os perigos,
emendou-se. Tomou coragem e atravessou
a janela, foi pro mundo, aceitou da liberdade o risco.
(Este filme, “A língua das mariposas”,
é apenas uma sugestão)
Na maioria dos países democráticos,
a festa da Independência é um acontecimento que expressa os diversos segmentos
da sociedade, sendo vivida como uma festa cultural plural , pois toda
independência deve ser comemorada em alegria .
No Brasil, os milicos se
apropriaram da data da Independência, como se eles fossem os tutores e donos,
ontem e hoje, de nossa Independência.
Segundo o filósofo Espinosa, um
processo de independência , seja a independência de um indivíduo seja a
independência de uma coletividade, nunca é um processo acabado e absoluto. Todo
processo de independência autêntico vem acompanhado de dependências também.
Por exemplo, o aluno depende
inicialmente do professor para conquistar sua autonomia do pensar próprio; e o
professor, por sua vez, depende do aluno para partilhar seus conhecimentos; o
amigo depende do amigo para viver a amizade e crescer como pessoa; o Brasil
depende de outros países para trocas comerciais e culturais; enfim, a
humanidade depende da água, do ar, do clima, das florestas, enfim,
do planeta terra.
Indivíduos ou nações, não somos
seres isolados existindo como um todo à parte, e é por isso que
sempre haverá alguma forma de dependência.
Mas há dois tipos de dependência: a
dependência que serviliza e rouba a autonomia de uma das partes, cujo modelo é
a relação tirano-servo (Espinosa nomeia esse tipo de dependência como “mau
encontro”) , e existe a dependência na qual há trocas, mútuas
ajudas, partilhas, agenciamentos, de tal modo que ambas as partes se
autonomizam juntas, sem servilismos e tirania ( são os “bons encontros”).
Nos maus encontros são gerados
tristezas, ódios, preconceitos, ignorâncias, enfim, impotências; já nos bons
encontros são produzidos conhecimentos e autoconhecimentos,
alegrias, saúdes, ideias, enfim, potências.
A humanidade interdepende de si
mesma para construir-se autônoma, uma autonomia que se exerce também com
solidariedade e cooperação.
Uma festa que seja realmente de uma
Independência conquistada e alimentada cotidianamente pelas nossas práticas ,
deveria ter um desfile não com canhões , tanques e milicos sisudos
marchando uniformizados ( que fomentam, na verdade, servis dependências...).
Uma festa da Independência
realmente democrática deveria ter um desfile semelhante ao das Escolas de
Samba, porém reinventado; no qual as alas seriam compostas por povos
indígenas, quilombolas, moradores das periferias, educadores e
educandos, os diversos movimentos de minorias, artistas... E os únicos
uniformes seriam apenas os das crianças representando as escolas
públicas.
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