quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Espinosa: a trindade obscurantista

 

Espinosa dizia que há uma espécie de “trindade obscurantista” que reduz os homens e as sociedades ao pior deles mesmos, pondo em risco a pluralidade social , a educação e a democracia.

Essa trindade obscurantista é composta pelos  seguintes personagens ou tipos: o escravo, o tirano e o sacerdote.

O escravo é aquele que se deixa dominar pelas “paixões tristes”. O escravo  não apenas as sofre, o que é natural de acontecer tendo em vista a condição humana, porém ele se alimenta delas, como se isso preenchesse algum buraco em sua vida. O ódio, a ignorância, o medo, o ressentimento... são exemplos de paixões tristes.

Se uma serpente nos morde, é inevitável que em nós entre o veneno, cabendo-nos imediatamente buscar o antídoto. Mas a paixão triste pode fazer  do homem um dependente do veneno que o enfraquece , ao mesmo tempo maldizendo quem traz antídotos.

O tirano é quem se vale das paixões tristes para dominar os ressentidos e ignorantes. O  tirano canaliza as paixões tristes e as emprega a seu favor, inclusive politicamente. O tirano chega ao poder  não por amor à coisa pública, mas tirando proveito  das paixões tristes e as fazendo de arma contra os que ele estigmatiza como  inimigos.

 O sacerdote é aquele que passa a mão sobre a cabeça do escravo, bendizendo a ignorância .  Em geral, os sacerdotes são pequenos, e só ficam maiores do que os escravos os mantendo ajoelhados. O sacerdote prega que a tristeza é melhor do que a alegria, que o obedecer é melhor do que o  rebelar-se, que filosofia, ciência e arte são perigosas, “demoníacas”...

O tirano escraviza o corpo do escravo, o sacerdote escraviza a alma. “Sacerdote”, aqui, não é exatamente uma autoridade religiosa literal, mas um tipo  que se aplica  a várias espécies  de homens. Espinosa chama de poder teológico-político a essa aliança abominável  entre tiranos e sacerdotes, cuja força cresce quanto mais o escravo ignora sua escravidão.

O próprio Espinosa foi perseguido por essa aliança abominável. Tentaram queimar seus livros,  bani-lo e até assassiná-lo...

Mas nunca Espinosa se calou diante desses inimigos do pensamento livre e digno. Hoje, mais do que nunca, vale sua perseverante lição: não devemos   lamentar ou temer  por uma situação adversa, seja ela qual for; devemos buscar  compreender as causas que produziram tal situação , para assim  mudá-la com a máxima  potência que tivermos, nisso concentrando nossos esforços, unindo ideia e ação, não sem  o amor e a alegria por estarmos lutando do lado certo .

Esse concentrar de esforços libertários tem um nome: filosofia prática.


( o livro de Deleuze é apenas uma sugestão de leitura).



Nenhum comentário: