sábado, 15 de outubro de 2022

ao Dia das Professoras e Professores

 

Neste Dia dos Professores, minha homenagem aos dois mestres que primeiro me alfabetizaram:

Eu tinha por volta de seis anos, ainda não estava na escola. Queria muito  aprender a ler porque um grande amigo meu , o Edinho, lia para mim as histórias dos gibis. Edinho tinha dez anos ,  era  apaixonado por gibis. Ele era o irmão mais velho que não tive (sou primogênito).

Então, minha mãe me colocou  para ter aulas particulares de alfabetização com uma  vizinha, a querida professora Maria. Lembro até hoje: ela morava numa casa com um imenso quintal. No meio do quintal havia um grande viveiro aberto  com passarinhos  cantando o tempo todo.

Havia especialmente um  que me marcou profundamente. Ele não era o maior de todos fisicamente , porém  seu canto era muito singular e potente . Diferente também sua cor: era um passarinho azul.

A mesa da professora ficava perto da janela. Então, na minha imaginação eu ali tinha dois professores: a que com cuidado e atenção me ensinava as letras da língua, e o passarinho que me ensinava a poesia de seu canto livre.  Eu amava ser aluno dos dois.

A língua que a professora me ensinava eu ainda não conseguia ler, porém a língua do passarinho parecia que já estava dentro de mim.

Às vezes, enquanto a professora tentava me alfabetizar na língua das letras,  na língua do passarinho eu  até já me arriscava a falar, quando então eu assobiava no meio da aula. A professora olhava para mim e sorria. Eu voltava para  casa assobiando a lição poética que aprendi do mestre  passarinho azul.

Quanto à língua das letras, eu já sabia que “b” + “a” formava “ba”, e que “l” + “a” era “la”, mas eu não conseguia ler o todo que elas formavam quando se juntavam  na palavra “bala”. Eu ia das letras  às sílabas, porém não conseguia passar das sílabas à palavra. Via apenas as partes, não via o todo, e o todo é sempre maior do que suas partes.

 À noite antes de dormir, eu abria um gibi e  ficava olhando as imagens e identificando as letras e sílabas. Até que houve uma noite em que, de repente, enquanto assobiava inocentemente,  vi a palavra “bala”.

Foi como um raio que  a palavra iluminou minha mente. Ela sempre estivera ali, eu é que não a via. Não que me faltassem os olhos do corpo, eram outros olhos que ainda não estavam abertos em mim .

Pulei de uma palavra à outra, depois às frases, e destas à história inteira, para depois ficar pensando como ela foi criada. E achei que criar tinha relação com a lição do mestre passarinho azul...

 A querida professora me ensinou a gramática, mas creio ter sido o passarinho que me ensinou a ler mais do que palavras, e é o canto dele que ainda ouço em todo libertário, como Cláudio Ulpiano, Espinosa e  Manoel de Barros,  que assim ensina :“Sei falar a língua dos pássaros: é só cantar.”







Um comentário:

cauepizindim disse...

Entendo o que cada passarinho vem me dizer:
O sonho de que a semente do homem germine bondade,
é como diz o tangará-dançador:
–É crível, crível, crível.