Neste Dia dos Professores, minha
homenagem aos dois mestres que primeiro me alfabetizaram:
Eu tinha por volta de seis anos,
ainda não estava na escola. Queria muito
aprender a ler porque um grande amigo meu , o Edinho, lia para mim as
histórias dos gibis. Edinho tinha dez anos , era
apaixonado por gibis. Ele era o irmão mais velho que não tive (sou
primogênito).
Então, minha mãe me colocou para ter aulas particulares de alfabetização
com uma vizinha, a querida professora
Maria. Lembro até hoje: ela morava numa casa com um imenso quintal. No meio do
quintal havia um grande viveiro aberto com
passarinhos cantando o tempo todo.
Havia especialmente um que me marcou profundamente. Ele não era o
maior de todos fisicamente , porém seu
canto era muito singular e potente . Diferente também sua cor: era um
passarinho azul.
A mesa da professora ficava perto da
janela. Então, na minha imaginação eu ali tinha dois professores: a que com
cuidado e atenção me ensinava as letras da língua, e o passarinho que me
ensinava a poesia de seu canto livre. Eu
amava ser aluno dos dois.
A língua que a professora me ensinava
eu ainda não conseguia ler, porém a língua do passarinho parecia que já estava
dentro de mim.
Às vezes, enquanto a professora
tentava me alfabetizar na língua das letras,
na língua do passarinho eu até já
me arriscava a falar, quando então eu assobiava no meio da aula. A professora
olhava para mim e sorria. Eu voltava para
casa assobiando a lição poética que aprendi do mestre passarinho azul.
Quanto à língua das letras, eu já
sabia que “b” + “a” formava “ba”, e que “l” + “a” era “la”, mas eu não
conseguia ler o todo que elas formavam quando se juntavam na palavra “bala”. Eu ia das letras às sílabas, porém não conseguia passar das
sílabas à palavra. Via apenas as partes, não via o todo, e o todo é sempre
maior do que suas partes.
À noite antes de dormir, eu abria um gibi
e ficava olhando as imagens e
identificando as letras e sílabas. Até que houve uma noite em que, de repente,
enquanto assobiava inocentemente, vi a
palavra “bala”.
Foi como um raio que a palavra iluminou minha mente. Ela sempre
estivera ali, eu é que não a via. Não que me faltassem os olhos do corpo, eram
outros olhos que ainda não estavam abertos em mim .
Pulei de uma palavra à outra, depois
às frases, e destas à história inteira, para depois ficar pensando como ela foi
criada. E achei que criar tinha relação com a lição do mestre passarinho
azul...
A querida professora me ensinou a gramática,
mas creio ter sido o passarinho que me ensinou a ler mais do que palavras, e é
o canto dele que ainda ouço em todo libertário, como Cláudio Ulpiano, Espinosa
e Manoel de Barros, que assim ensina :“Sei falar a língua dos
pássaros: é só cantar.”
Um comentário:
Entendo o que cada passarinho vem me dizer:
O sonho de que a semente do homem germine bondade,
é como diz o tangará-dançador:
–É crível, crível, crível.
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