O poeta-pensador Manoel de Barros ensina : “Quem anda no trilho é trem de ferro.
Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.”
O trilho representa um caminho já
dado, um caminho que rouba o ir livre dos nossos passos. Quem anda em trilhos
não reinventa caminhos: passivamente aceita o destino que lhe traçaram.
Na mitologia Grega, trilho assim era
a representação do férreo Destino governado pelas sinistras Moiras.
Muito diferente era o Fio de Ariadne
enquanto fio do Afeto libertário: fio puxado de um novelo inesgotável. Fio para
bordar caminhos a serem inventados.
A água que corre é muito diferente do
líquido contido e estagnado em recipiente limitado . Muitos dizem que vivemos
“tempos líquidos”... O líquido é uma realidade volúvel, volátil, tal como a
liquidez do capital e seu mercado.
Mas a água de que fala Manoel é fluxo
de vida inaprisionável: ela é riqueza que não tem preço, e impulsiona os não
conformados.
Os fluxos ou inventam caminhos onde
possam avançar , ou então secam ( porém a secar resistem com a máxima potência que podem).
Os fluxos correm entre as pedras, e
nunca se submetem ao poder paralisante delas. Pois um fluxo é como o sangue que
corre nas veias: se não avançar, perece.
Os fluxos somente podem ser guardados
em espaços abertos. E abertos se tornam
a sociedade, a mente e o afeto se um fluxo de vida os atravessa.
Um fluxo é fluido, mas não é sem
força ou volúvel; um fluxo é firme,
possui consistência, porém não é rígido. Pedras não vencem o
avançar de um fluxo , enquanto
viver a fonte da qual ele brota: “A cisterna contém, a fonte
transborda”(Blake).
Os versos de Manoel também nos ajudam
a distinguir entre “liberdade” e “libertário”. Ser libertário é pôr a liberdade
em ação, pois liberdade nada é se não for ação : ação de educar, ação de amar,
ação de aprender, ação de revolucionar, mesmo que sejam pequenas revoluções
micropolíticas realizadas no aqui e agora, já.
O fascista sempre diz: “o Supremo
quer cercear minha liberdade”, pois o fascista instrumentaliza a ideia de
liberdade a seu favor, para assim pregar barbaridades. Mas nunca um fascista
pode ser um libertário, pois ser libertário é exatamente ser antifascista. O
contrário de libertário é reacionário.
“Liberdade” às vezes é apenas uma
palavra vazia que une fascistas-militaristas e liberais reacionários, a caserna
e o mercado.
Liberdade é um substantivo , porém
ser libertário é fazer-se verbo que se conjuga em vários modos, tempos e
pessoas. Pois não apenas o “eu” é pessoa, também são pessoas o tu, o ele...e
sobretudo o nós enquanto pessoa plural que se diz em múltiplas e heterogêneas
vozes.
(imagem: “Sherazade”,
obra de Hilal Sami. Sherazade é a poeta-libertária que enfrentou e venceu o
sinistro Sultão. Todas as ideias que libertam se agenciam num fluxo que se
horizonta e avança indo em frente, como
libertários que se dão as mãos).
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