À primavera (começa
hoje) e ao Dia da Árvore (comemorado
ontem):
Espinosa ensina que a filosofia não é
uma reflexão sobre a morte, e sim sobre a vida, a pluralidade e potência da
vida. Espinosa afirma que a vida
nunca termina, ela se metamorfoseia.
Certa vez , conversando isso com uma amiga, partilhei com ela como eu gostaria que fosse a metamorfose
que me fizesse permanecer na vida.
Não ambiciono outra vida no “Além”.
Queria continuar numa vida que vicejasse aqui no seio da Mãe-Terra, feito a
vida verdejante de uma árvore.
Amo livro e árvores. O livro é para
a árvore o mesmo que a borboleta é para
a lagarta: o papel que um dia foi árvore , no livro ele
ganha as asas da palavra.
Contudo, para quem escreve um livro a
continuidade conquistada é apenas “letral”, ao passo que metamorfosear-se numa árvore é fazer parte do livro da Vida.
Como amo viver, espero que ainda
esteja muito distante o meu “desacontececer”
( “desacontencer” é um verbo criado por Manoel de Barros ). Mas quando
ele vier, não desejo ir para debaixo do
chão. Prefiro que envolva meu corpo o fogo de que fala Heráclito , fogo-arquetípico da Vida Imortal.
Porém não quero ser reduzido a cinzas inertes , e sim
me tornar sumo e adubo para ser lançado
nas raízes de uma amendoeira , ser
sorvido por ela e sê-la. Pois a amendoeira é a árvore de que mais gosto.
A amendoeira é prima das oliveiras, e
dizem que veio clandestina do Oriente
como semente incrustada na
madeira de uma nau portuguesa que atravessou oceanos. Nas terras sábias do Oriente, onde a
poeta Sherazade venceu o autoritário
Sultão, a amendoeira era conhecida como
“a árvore mais resistente”.
Mas não quero ser lançado nas raízes
de uma amendoeira vivendo em terreno
cercado com dono e proprietário, nem quero que seja uma amendoeira perto de estradas por onde
passam carros neuróticos e apressados. Também prefiro que não seja uma amendoeira inalcançável e isolada.
Queria então que fosse meu novo corpo
uma amendoeira que fizesse parte da Floresta da Tijuca, um espaço amplo
sem cercados, onde há o Cristo do Corcovado de braços abertos monumentados para abraçar quem luta do lado certo, tenha ou
não religião.
Não queria que fosse uma
amendoeira perto de trilhas muito frequentadas, prefiro uma amendoeira que somente poderá ser encontrada por aqueles que amam descobrir caminhos
novos: e que a estes a amendoeira possa oferecer sombra e proteção .
Entrarei pelas raízes e atravessarei
o tronco; me multiplicarei depois pelos galhos
até alcançar a verdez dos brotos.
Quero estar perto dos ninhos, sobretudo os de bem-te-vis e pardais, para quem sabe me tornar um deles e
pôr para correr os Carcarás...
E que a lápide a dizer quem fui não
traga meu nome ou datas: que a lápide
seja apenas a amendoeira
florescendo em maio, mês em que nasci.
(imagem: “Amendoeira em flor”/ Van Gogh)
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