terça-feira, 13 de setembro de 2022

pequena homenagem a Godard

 

Segundo alguns pensadores gregos, o tempo não tem apenas três dimensões, mas quatro. Além de passado, presente e futuro, existe também uma quarta dimensão chamada “Kairós”. Em latim, a palavra kairós será traduzida pelo termo “oportunus”, que também era o nome do vento que reconduzia o navio perdido em alto mar de volta ao porto. Assim, kairós é “momento oportuno”.

Mas quando é o momento oportuno? Não há livro que ensine teoricamente quando  é o momento oportuno. Não há fórmula ou receita que explique como criar um momento oportuno.

Na verdade, qualquer momento pode ser um momento oportuno, desde que saibamos nos libertar do passado e sair da passividade no presente, para assim construirmos, aqui e agora, aquilo que desejamos ser nosso futuro. O momento oportuno é um vento, um “Pneuma” libertário, que nos reconduz a nós mesmos.

Descobri Godard naquela idade das necessárias descobertas: terminando o antigo segundo grau . Era a época dos cineclubes, espaços que nada deviam às bibliotecas enquanto lugar para despertar o pensar. Foi nos cineclubes que descobri também  Glauber Rocha , Visconti, Ettore Scola, Fellini ...

Quando a luz do filme invadia o escuro da sala de exibição, mais do que nunca experimentávamos a metáfora do casulo: chegávamos lagartas, porém passávamos por uma intensa metamorfose ao sermos mudados  pela luz dos filmes, saindo do casulo do cinema com um desejo irrefreável de voar.

Antes de conhecer teoricamente Sartre na faculdade de filosofia, foi com Godard que aprendi, vivendo, o que é o existencialismo.

“A existência precede a essência”, ensina Sartre. Na filosofia, é a essência que pretende definir o que um ser é. A essência é como uma etiqueta que nos põem antes mesmo de nascermos.

 “A mulher nasceu da costela do homem”, eis uma essência que o poder  falocrático etiqueta na mulher. Mas a existencialista Simone de Beauvoir ensina: “A mulher é quem ela quiser”.

Sartre e Simone ensinam que primeiro a gente existe, vive, descobre, aprende, e só depois a gente se define conforme as nossas escolhas.

Porém a  existência não se define, se vive, se (re)inventa. Não importa a idade que tenhamos: a existência é sempre nova, já, aqui e agora.

A existência é o lugar no qual aprendemos, vivendo, a produzir o kairós, não importa  onde estejamos, se na sala de aula, na praça, na rua, em casa ou no espaço virtual.

O filme “Viver a vida”, de Godard, mostra uma mulher  retirando de si, às vezes com alegria , noutras com dor, as etiquetas que o poder nela colocou .

Ela descobre que viver a vida é descobrir linhas de fugas em meio a encontros vividos, sem roteiro. Nesses encontros, momentos oportunos são produzidos como “pneumas” pensantes que redirecionam seu rumo.

 Um dos kairós é vivido numa cena na qual a personagem encontra um filósofo num café. Foi um kairós para ambos. Vale a pena assistir a cena e fazer dela um kairós para nós também.





- Infelizmente, a cena completa ( de 10 minutos) não está mais disponível no youtube, apenas um trecho dela:



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