quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

os bem-te-vis, os pardais e o carcará

 

Por morar em andar bem alto, de minha janela tenho uma ampla visão. Apareceu por aqui recentemente  um imenso carcará. A cor e a forma das plumagens do carcará  lembram uma farda  . Por ser pouco ágil voando, o carcará caça vasculhando os terraços . Ele fica à espreita de ninhos de pombos construídos sem o devido cuidado e proteção. Quando o carcará  acha um desses ninhos, ceifa com o bico o futuro que mal saiu do ovo. De longe ficam a olhar  os pombos , conformados. Os pombos são muitos, porém não se unem para afugentar o carrasco. Eles aceitam, lamentam, ficam resignados.

Porém, tudo muda quando chega um casal de bem-te-vis. Mesmo o ninho não sendo deles, o casal de bem-te-vis fica sobrevoando e dando voos rasantes sobre o carcará , muitas vezes acertando sua cabeça, até o carcará  parar seu banquete macabro. Os bem-te-vis têm menos da metade do tamanho do carcará , e são menores inclusive que os pombos, porém em audácia e coragem os bem-te-vis são gigantes .  Às vezes, um bando de pardais se une aos bem-te-vis  e põem para correr o carcará fardado, perseguindo-o pelos céus até o predador de ninhos  sumir das vistas.

Depois, os bem-te-vis e os pardais pousam juntos na antena do prédio mais alto do bairro, onde costumam pousar gaviões  e carcarás para espreitarem  suas presas. Lá de cima, enchendo de ar livre o peito, um dos  bem-te-vis começa a cantar um canto bem forte e alto, um canto que parece   dizer: “ Predadores, não temos  medo de vocês!”.

Quando tudo enfim fica calmo,   como verdadeiros aliados  que se uniram  para enfrentar o perigo, gratos uns aos outros, bem-te-vis e pardais se despedem e voltam para seus ninhos.

(neste incrível livro de Manoel de Barros dedicado a pássaros libertários/libertadores, há um belo poema chamado “Bem-te-vi”)








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