sábado, 9 de janeiro de 2021

fio do afeto, fio da arte

 

Os filósofos e poetas antigos falavam do “Destino”. Na mitologia ,  o Destino era representado por três sinistras irmãs : as Moiras. Elas eram cegas, porém  tinham à mão um estranho olho de vidro com dom de ver passado, presente e  futuro. Esse olho é o tataravô das “bolas de cristal” , nas quais  se crê antever o que os nossos  dois olhos  não veem. Uma das Moiras puxava o fio da vida, outra o esticava, enquanto a terceira o cortava rindo e zombando , como se cortar o fio da vida  fosse uma diversão macabra. Com o fio, as Moiras fabricavam uma “ordo”, uma “urdidura” ,  isto é, uma “Ordem” da qual ninguém conseguia escapar. A “ordo/urdidura”  era feita com linhas retas na horizontal e na vertical, como as grades de uma prisão.

Muito diferente era o fio de Ariadne: fio do Afeto, fio da Arte. Enquanto o fio das Moiras estava preso a uma roda ( a “Roda da Fortuna”), o fio de Ariadne era puxado   de um novelo, e assim libertado  . Quanto mais se confia nesse fio, menos as Moiras conseguem cortá-lo.  “Con-fiar”: “fiar junto”, pois fia junto quem tece novos elos ( “novelo”: “novo elo”). O fio de Ariadne é puxado de uma potencialidade que se desdobra em novos elos a serem tecidos e ousados.  Enquanto o fio do Destino é “ordo”, “Ordem”, o fio de Ariadne serve para tecer tramas. A trama é feita de linhas transversais formando curvas , desvios, “clinâmens”, espirais...Toda trama borda    uma linha de fuga que afirma a liberdade a despeito da malha férrea da Ordem. As Moiras  puxavam o fio da roda, o esticavam , para enfim cortá-lo. Elas eram incapazes de bordar, pois bordar é tecitura da arte enquanto força que estende ao máximo o fio da vida, vencendo  aqueles que o querem cortar. Toda bordadura parte de uma Ordo/Ordem, porém lhe acrescenta tramas criadoras de caminhos que nos fazem transpassar as grades (grades físicas ou simbólicas).

A gramática é urdidura , mas trama é a poesia; urdidura é a família,  porém trama é o amor; a lei é ordo, contudo trama é a justiça; cartilhas são urdiduras, mas pensar é trama que confia em sua força libertária.

As Moiras  cobriram Bispo do Rosário com  lençóis que mais pareciam mortalhas , porém Bispo do Rosário desfez o fio dessas grades  e com ele bordou sua  linha de fuga sob a forma de manto e asas. Apesar da  “Moira Social” que o urdiu louco,  Bispo do Rosário teceu  sua transversal, e assim tramou sua criativa  lucidez como fuga da  normalidade  reta dos que pensam igual. Embora toda trama parta de uma urdidura, nenhuma urdidura pode determinar que trama se inventará a partir dela.

“A reta é uma curva que não sonha.” (Manoel de Barros)


(foto: Bispo do Rosário e suas asas)

 

























Nenhum comentário: