A filosofia não é apenas conceito ou
teoria , ela também é desejo de produção de um modo de
vida não conformista e “não acostumado”, diria o poeta Manoel de
Barros. A filosofia assim compreendida tem um nome: filosofia prática. Mais do
que lições acadêmicas, alguns filósofos enfatizavam certas condutas a aprender.
Assim é, por exemplo, a "exortação" nos estoicos , ou o “cuidado de
si” em Epicuro, ou a “crítica” em
Nietzsche, ou ainda a "fortaleza" ( “fortitudo”) em Espinosa ( na
língua banto, “fortaleza” se escreve assim: “quilombo”). Com a redução da filosofia
à academia, talvez tenhamos perdido essa
dimensão vital e existencial da filosofia , de natureza mais “clínica” e política
do que erudita e livresca. De
todas as condutas filosóficas , talvez a mais necessária seja a “edificação”. É
o estoico Epicteto quem identifica a filosofia à prática de
edificação: quando nos sentimos perdidos,
“sem chão e sem teto” , a edificação é a mais urgente e necessária das artes a aprender, dela dependendo nossa
sobrevivência em épocas de violência e barbárie, como aquela em que viveu
Epicteto, muito parecida com os dias tenebrosos de hoje. A ideia de “edificação”
vem da arte de construir. Em toda
edificação, seja a de um “edifício” ou a de nós mesmos, é preciso perseverança para pôr de pé mais do
que paredes, pois edificar não é erguer muros que isolam . Edificar é pôr de pé
um espaço onde se habita, se resiste, se
agencia, se partilha o alimento ( tanto o pão quanto as ideias):
para assim criarmos memória da luta de
ontem e renovarmos as forças para as lutas
que precisamos lutar hoje para
haver um amanhã. Para Epicteto, "edificação" é o
verdadeiro nome da educação autêntica, enquanto arte de edificar-se de pé quando nos querem
de joelhos.
Epicteto foi perseguido, aprisionado
e feito escravo em Roma , como aqui
Dandara e Zumbi . A filosofia foi, para Epicteto, a sua Palmares: para a
edificação de Quilombos dentro e fora da gente.
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