domingo, 24 de janeiro de 2021

o poder teológico-político

 

A palavra “teologia” aparece entre os filósofos pré-socráticos. Antes deles , já existia a palavra “teogonia” , que nomeia o poema de Hesíodo. Nesse poema originário é narrada a origem dos deuses, a começar por Gaia, a Terra-Mãe.

 Mas o uso que se faz hoje da palavra “teologia” remete a três religiões calcadas  num texto considerado sagrado por elas: o Islamismo, o Judaísmo e o Cristianismo; o Alcorão, a Torá e a Bíblia. O estudo desses Livros é tarefa da teologia.

A “política”, por sua vez, vem do termo “pólis”, que significa tanto “cidade” como “organização” ( “pró-polis”: “ a favor da organização”, já que a própolis , como uma vacina, protege a colmeia enquanto “organização” das abelhas). Pólis é a organização conjunta das liberdades, para assim construir o viver em comum, preservando a heterogeneidade dos viveres. No centro da pólis não estão Castelos ou Templos, embora a base de toda pólis também seja um livro. Um livro que também é objeto de uma “fé”, não uma fé religiosa, mas uma fé na liberdade, na criatividade, na ciência, na cultura , na educação, pois essas atividades também são “instituições”. Ao contrário dos Textos Sagrados, o texto que serve de base à pólis pode ser reformado ou até mesmo abandonado em nome de outro texto mais libertário, desde que assim decida a sociedade, após debate, argumentação,  divergência dialogada e votação. O  texto que fundamenta a pólis  é a Constituição. Essa palavra significa: “o que é instituído junto”, e que apenas por um querer junto, afirmador da pluralidade, pode ser destituído. A Constituição deve preservar a diversidade, inclusive a diversidade de crenças religiosas, além de proteger também aqueles que não têm crenças religiosas.

O poder teológico é um poder que tem seu campo de atuação restrito ao templo. Porém, acontece  por vezes de tal poder usurpar esse espaço de culto, querendo se tornar também poder político. É assim que nasce o que Espinosa chama de poder “teológico-político”. Para triunfar, esse tipo de poder perseguirá como inimigo tudo aquilo que a Constituição democrática simboliza. É por isso que o poder teológico-político somente pode perdurar cooptando exércitos e polícias. Esse tipo de poder também costuma se juntar aos que fazem do Capitalismo e do Mercado um Deus, a tal ponto que a “prosperidade”  econômica individual passa a ser  valor  cultuado como se fosse um Dogma.

Mas é do inimigo que esse poder mais persegue que também vem a maior força que resiste a ele: o pensar, o pensar que enseja ações coletivas para proteger a vida comum.


“Onde há o perigo, cresce também o que salva. ”( Hölderlin)

 

( imagem: “O geógrafo”, de Vermeer. Segundo alguns, o personagem do quadro é o próprio Espinosa, assim retrato como um “geógrafo do pensamento”, pois “geografia”  originariamente significa :   “escrita de Gea / Gaia.”)





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