quarta-feira, 3 de junho de 2020

museu & museologia


Não se deve confundir “museu” com “museologia”. Nessa afirmação não quero estabelecer hierarquias ou dizer  que uma é melhor do que a outra, desejo apenas apontar as diferenças, bem como as convergências . Para explicar a diferença entre museu e museologia , gostaria de me apoiar em três ideias de Deleuze e Guattari, são elas: território, territorialização e desterritorialização.
“Território”, aqui, não tem o sentido meramente físico ou estático. Por exemplo, a Feira de São Cristóvão, também conhecida como a Feira Nordestina, traz para o Rio o modo de ser daquela parte do país, de tal maneira que entrar nessa Feira é adentrar em território nordestino. Um território assim compreendido nunca é apenas algo extenso e material, pois nele estão compreendidos músicas, artesanatos, cordéis, recitações, culinárias, enfim, modos de ser do povo nordestino, configurando assim um “território existencial”. Fisicamente, aquela Feira se encontra no Rio; existencial e semioticamente, contudo, aquela Feira expressa um Nordeste que também nos está dentro, um Nordeste enquanto simbólico sentido que igualmente  nos concerne enquanto brasileiros de não importa qual parte do país.
Porém, não existe território sem um processo de “territorialização”. Territorializar é manter vivo um território, em nós e fora de nós. Territorializar é um processo espaço-temporal, subjetivo-objetivo. “Territorializar” é manter vivo um território, fazê-lo durar  no tempo e persistir no espaço. Por exemplo, quando um passarinho canoro canta num galho de árvore, tal canto muitas vezes é para   territorializar certa porção do espaço como dele. É no canto que ocorre a territorialização do território pretendido e mantido como uma extensão do passarinho : seu  território se estende até  aonde seu canto alcança.
A desterritorialização, por sua vez,  é um processo de sair de um território dado. A desterritorialização é um processo muito rico e variado, observável tanto na natureza quanto nas atividades humanas, sobretudo as criativas.  Os nômades, por exemplo,  desterritorializam-se com frequência. A língua portuguesa nasceu da desterritorialização do latim. Assim, a desterritorialização é um processo de “fuga”, como “linha de fuga”. “Linha de fuga” não é fugir de algo, mas fazer fugir algo de uma forma ou fôrma que o prendia.  Quando vamos à Feira de São Cristóvão, somos desterritorializados do território-Rio e reterritorializados em novo território, um território criado com os signos do Nordeste. Deleuze e Guattari dizem que existem dois tipos de desterritorialização: a relativa e a absoluta. A desterritorialização relativa é quando nos desterritorializamos de um território dado e somos reterritorializados em um novo território; já a desterritorialização absoluta acontece quando nos desterritorializamos de todo território e nos reterritorializamos sobre a própria desterritorialização. “Ab-soluto” significa: “aquilo que não se dissolve”. A desterritorialização absoluta significa  a criação em sua dimensão absoluta, livre, incondicionada. É a conquista do infinito, um infinito de potência. A desterritorialização absoluta também tem por sinônimo o termo “Virtual”.
Podemos voltar agora às ideias de museu e museologia e tentar construir uma perspectiva sobre suas diferenças.   O museu é uma instituição localizada no tempo e no espaço, com acervos, administração e arquitetura. O museu é um território em constante territorialização de conhecimentos, culturas, artes, enfim, patrimônios, tanto os tangíveis quanto os intangíveis. Já a museologia é uma ideia virtual que não se confunde com nenhum museu dado, embora todo museu dado seja uma  atualização da virtualidade-museologia. Assim, a museologia tem dois aspectos: ela se atualiza  em dado museu e se torna acervo e objeto, porém ela é também desterritorialização por parte de seus sentidos e ideias. É por isso que existem vários tipos de museu, e cada um em sua tipologia e diferença expressa a riqueza da museologia enquanto ideia, mas sem esgotá-la em sua virtualidade sempre aberta, potencial.
Os museus estão no tempo e no espaço, porém onde está a museologia? Quando o Planetário aponta seus telescópios para o céu, descobre a museologia nos planetas, sóis e astros; quando vamos a um parque natural, descobrimos a museologia como expressão viva e variada  da própria natureza; quando visitamos o Museu da Maré, compreendemos que a museologia também  é memória, narrativa e reinvenção de uma comunidade que se torna autora de seu próprio devir e história. Ou seja, a museologia também é conhecimento, sociedade,  ética, política, filosofia, ontologia, poesia, enfim, vida.














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