sexta-feira, 26 de junho de 2020

eros, afrodite, psiquê e plotino


Eros primeiro  amou Afrodite, achando que Afrodite era tudo; até que Eros  conheceu Psiquê, esquecendo de imediato Afrodite. No início ,   Eros foi só de Afrodite;  depois  esqueceu Afrodite e passou a ser só de Psiquê. Com isso, Eros  produziu  tristeza em Afrodite , ao mesmo tempo que mantinha Psiquê ignorante de que ele já havia amado, e muito, um outro ser. Por isso, Eros fazia de tudo para que Afrodite e Psiquê se ignorassem, como se a alegria de uma fosse a dor da outra, de tal maneira que a felicidade de ambas ele não poderia oferecer. Na mitologia, Eros é o Amor, Afrodite simboliza o Corpo, enquanto Psiquê é a Alma.  Assim, os gregos achavam que o Amor não pode amar, ao mesmo tempo, o Corpo e a Alma. O Corpo proporciona  prazer ao Amor, enquanto a Alma lhe faz nascer a Sabedoria ( Sophia). “Prazer” em grego é “hedon”, de onde nasce “hedonismo”. Ou o Hedonismo ou a Sabedoria:  essa deve ser, segundo os gregos, a escolha que a parte de nós que ama deve fazer. Platão, por exemplo, fez da escolha exclusiva do Amor pela Alma a base de sua filosofia, ao mesmo tempo condenando o Corpo como não tendo, para o pensar, nenhuma serventia. Para Platão, filosofar é aprender a morrer.
Plotino não concordava com essa visão dicotômica , nisso inspirando a Espinosa. Segundo Plotino, a função maior do Eros-Amor , a sua utilidade suprema , não é escolher entre a Alma e o Corpo, mas fazer a Alma e o Corpo unirem-se um ao outro para viverem o ato de pensar  como paixão  pelo viver.

“Se a gente não der o amor ele apodrece dentro de nós.” (Manoel de Barros)





-Obs.:  Sempre me perguntam se Eros não seria filho de Afrodite . Isso depende da versão do mito, é comum haver variações de sentido do mito , tanto entre os autores gregos quanto entre os gregos , os latinos e os autores do Renascimento. Em Platão,por exemplo, Eros é filho de Pênia ( a deusa da penúria ou carência, e é por isso que quem ama, segundo Platão, se sente carente) com  o deus Poros ( cuja simbologia é muito rica e complexa, significando também "artimanha" ou "estratégia", pois quem ama sempre faz estratégias para estar perto ou conquistar o objeto amado). Em Homero e Hesíodo, por outro lado,  Eros terá outro sentido ( em Hesíodo, Eros nasce diretamente do Caos...) . Existe ainda a interpretação de Plotino, que aqui tentei esboçar. Essa interpretação de que Cupido ( Eros , em latim) é filho de Vênus ( Afrodite)  é a de Apuleio, um autor latino. É essa interpretação de Apuleio que serve de base às interpretações de Freud e Lacan sobre o mito de Eros. E também há a versão de Fernando Pessoa . Em mitologia, é comum haver essa variação do sentido de um mito, conforme a fonte.Além disso, quando os mitos gregos foram rebatizados pelos romanos, não houve uma tradução literal, pois em muitos casos  os mitos ganharam novos aspectos e perderam outros. Um povo sempre imprime seu ethos próprio à mitologia que vem de outro povo. Vênus e Cupido  têm aspectos que Afrodite e Eros  não têm. Cupido está mais próximo daquilo que nós chamamos de "Desejo". E é assim que Espinosa chama o desejo : "cupiditas "( isto é, "relativo a Cupido").

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