Há uma rica simbologia acerca da
ideia de “fio”. Em primeiro lugar, não se deve confundir um fio com uma linha
que se traça com réguas. Linhas traçadas
com régua partem de um ponto, o seu início, e terminam em outro ponto dito
final. Entre esses dois pontos, encontra-se uma quantidade indefinida de pontos
, todos exteriores uns aos outros. O mesmo não acontece com um fio. Todo fio
possui uma extremidade visível, tangível, assim chamada de “ponta”, ao passo
que a outra extremidade do fio se encontra enrolada em um novelo do qual
puxamos o fio. Todo novelo é uma virtualidade que se desdobra em fio. Não
importa se é o fio de um cabelo, o fio de uma narrativa, o fio do tempo ou o
fio de uma vida: todo fio nasce de um novelo-fonte, de um novelo-nascente, tal
como os rios que nascem de um minadouro ou os fios de luz que se desprendem do
sol. Ao contrário da linha traçada com régua, cujo ponto inicial é precedido
por nada, todo fio permanece sempre ligado “à origem que renova”(Manoel de
Barros) , de tal modo que seu desdobrar nunca acaba.
Um fio não é feito de pontos
descontínuos , mas de uma força ou potência contínua que persevera brotando de
si mesma. Na mitologia, o “Fio de Ariadne” é o símbolo arquetípico de todo fio.
Em grego, “Ariadne” significa “Aranha”. Assim como a aranha puxa o fio de seda
de dentro de si mesma, o fio de Ariadne , fio do afeto, é puxado do seu ventre
sempre fértil. O fio de Ariadne é necessário para aqueles que precisam vencer
labirintos e produzir “linhas de fuga”, como diz Deleuze. O fio de Ariadne
também é o fio do sentido que liga uma palavra à outra, para assim narrar
mundos. Um fio parece pouco, quase nada, mas às vezes é ele que nos salva
quando estamos perdidos, com régua na mão.
Há casos em que o fio se encontra
escondido, sendo preciso redescobri-lo. Arthur Bispo do Rosário, enquanto
interno de um hospital psiquiátrico, era vestido com uniformes homogêneos. Mas
certa vez ele desfez a forma dos uniformes até achar o fio de que eles eram
feitos. Com esse fio primordial e ancestral, Arthur Bispo do Rosário bordou sua
história, conseguindo expressar o que tinha de singular e vivo. Cada bordadura
reatava o fio de sua existência ao novelo da experiência humana, e assim Arthur
emendava o fio que a loucura e o poder cortaram. “Novelo” significa “novo elo”.
Fios existem para possibilitarem novos
elos e agenciamentos, para assim irmos
além do isolamento ensimesmado dos pontos-egos.
“Pensamos em novelo” (Maria Gabriela Llansol)
(texto publicado originalmente no
site Ateliê de Humanidades : https://ateliedehumanidades.com/2019/08/31/fios-do-tempo-sobre-os-fios-por-elton-luiz-leite-de-souza/).
-Museu Bispo do Rosário:
http://museubispodorosario.com/?fbclid=IwAR2RmKgQgCqPVQugtc6AfrZ9fgZNpVjF6k113pOFV43SyDh3N7La4Uxpybk
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