sábado, 12 de outubro de 2019

AO DIA DAS CRIANÇAS ( que possamos [re]inventar devires-crianças)


O poeta Manoel de Barros já passava dos 80 anos quando um editor  pediu que ele escrevesse  três memórias: da infância, da vida adulta e da velhice. Afinal, quem chega aos 80 anos parece que tem muito a  falar de si...Depois de algum tempo, o poeta enviou ao editor o seguinte livro: “Memórias da primeira infância”. Meses depois, nova publicação: “Memórias da segunda infância”. Após novo intervalo, outra obra nasceu: “Memórias da terceira infância”. Como as memórias da vida adulta e da velhice não apareciam, o editor indagou   Manoel  a respeito, e assim o poeta  respondeu: “ só tive infância, não tive velhez”. A “velhez” não é uma idade,   “velhez”  é quando os dias vividos se tornam um peso  curvando nossas costas, não importando a idade que se tenha;  e se teme pelo amanhã com medo de não se suportar mais esse fardo .
“A única coisa que carrego é meu chapéu: moro debaixo dele”, explica-se o andarilho-poeta. “Chapéu” é como Manoel nomeia as  ideias que protegem os pensamentos que dão caminho às pernas:  “sobre o meu chapéu   um casal de pardais fez um ninho:  há nele  ovos sendo chocados, como dentro de mim dias novos”.
 A "velhez"   é um tipo de vida, individual ou coletiva, que se perdeu de seu "embrião", de seu começo . O começo ou embrião não está num passado remoto e morto. Mesmo o imenso rio amazonas tem seu embrião lá no alto dos Andes: mesmo há muitos anos a  correr , o rio ainda está a nascer agora, umbilicado às águas novas.  O que para o rio são as águas, para o poeta são as fontanas palavras de seu “devir-criança”:   “A palavra  até hoje  me encontra na infância : na ponta do meu lápis tem apenas nascimento” (Manoel de Barros).




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