domingo, 14 de abril de 2019

manoel, klee & miró


Manoel de Barros diz que aprendeu a fazer “desaprendizagens” com o pintor  Paul Klee  . O pintor ensinou ao poeta  a necessidade de "aprender a desaprender" . Assim fez  Klee : embora ele desenhasse de forma precisa e técnica, essa mesma precisão se tornou uma  prisão para o novo que ele queria criar.  Já estava no pintor a alma nova, porém faltava um corpo para ela. No auge do sucesso e reconhecimento , Klee entrou em crise, parou de pintar: ao invés de nascer, a alma nova corria risco de abortar. Quando  tudo parecia perdido,  certo dia porém  o pintor começa a desenhar com a mão esquerda, brincativamente.  Essa mão esquerda não frequentou academias ou escolas, também nada sabia de cânones ou regras, como sabia a mão direita. Nunca ficou vaidosa por receber elogios, tampouco segurou, ostentando, prêmios e títulos, como se habituou a mão direita  . Se a mão  direita adquirisse a capacidade de falar  e alguém lhe perguntasse  qual a opinião dela sobre a mão esquerda, com certeza ouviria: “ a mão esquerda é vagabunda: e ainda quer tirar meu poder, subversiva!”.  As duas mãos tinham a mesma idade biológica, mas era a mão esquerda o corpo novo que a alma  nova exigia . O   artista descobriu-se novamente criança nesta mão: cada desenho era o desenhar de novo nascendo ,  fazendo-se como novidade, experiência e descoberta. Ao desaprender o “acostumado”  da mão direita, Klee  redescobriu a pintura e a ele mesmo: reencontrou a alegria da criança cujo brincar e inventar é a coisa mais séria e verdadeira. Mais do que pintar, o pintor inventava “natências”. Toda  gramática, não importa qual, dá poder à mão direita ; porém  a arte de se reinventar só a pode desenhar um instrumento não domado: a mão esquerda  . A mão direita se liga a uma metade do cérebro apenas , enquanto  a mão esquerda se liga à outra metade  do cérebro e ainda ao coração inteiro que, assim como ela, também está do  lado esquerdo.




Klee



Mirá também ensinou ao poeta desaprendizagens



Deleuze lembra que “vagabundo” vem de “vaga”:  "vagabundo" é "aquele que vaga". “Vaga” também é “onda”: “as vagas do oceano”. A “vaga” é modulação de um espaço liso, seja o oceano ou o deserto ( as dunas também são vagas). O vagabundo é nômade-andarilho  de espaços lisos, o oposto do sedentário  de espaços estriados ( codificados). As vagas, diz Manoel , são “formas em rascunho”. Assim são os desenhos de Klee e Miró , bem como a poesia de Manoel: formas em rascunho, vagas de um oceano múltiplo e aberto ( o mesmo oceano que pensou  Espinosa ).

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