domingo, 21 de abril de 2019

artaud & van gogh


No livro “Van Gogh, o suicidado da sociedade” , Artaud argumenta que Van Gogh não se suicidou, ele foi “suicidado”. Sem dúvida, foi a mão de Van Gogh que apanhou o revólver e o colocou contra o peito, também foi seu dedo que apertou o gatilho. Porém, a mão de Van Gogh  não estava sozinha nesse ato, sozinho estava apenas o coração de Van Gogh que recebeu o tiro, sujando  de sangue a mão que sempre se cobriu com as tintas das obras as quais deu vida. Nem sempre o gesto que um corpo faz explica, sozinho, o sentido da ação. Quem vê o beijo de Judas pode imaginar que  tal gesto é amor; quem vê o boxeador golpear o adversário pode supor que ele golpeia com ódio. Às vezes, no entanto, um beijo pode conter mais ódio do que um soco. A mão de Van Gogh não estava sozinha, ela foi agarrada e forçada a fazer tal ato. Foi a mão da sociedade, ou de parte dela, que fez a mão de Van Gogh puxar o gatilho. Essa mão deve ser a mesma que, hoje, é chamada de “a mão invisível do mercado”, que também arma crianças pobres com facas e revólver, pois lhes rouba o lápis e o caderno.
Quando a sociedade , ou parcelas dominantes dela, suicida um poeta, um artista, uma criança, um idoso ou o futuro de todos , que tribunal julgará tal crime ? Que parlamento elaborará a lei que condenará tal assassinato? Esses que vestem terno e gravata caros e se ornam de tronos togados não têm tintas nas mãos , nem o resíduo do giz que pôs a lição no quadro, muito menos calos do trabalho pesado. Por mais que tentem esconder, se olharmos bem ainda veremos nas mãos deles  o sangue de Van Gogh.




( poeta, pensadora, atriz e fotógrafa, Francesca é outra "suicidada pela sociedade"):

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