Manoel diz que a poesia está no “antesmente
verbal”. O verbal é a palavra , escrita ou falada. A poesia está antes da
palavra, mas não como o esboço que está antes do quadro . Quando o pintor
termina a obra, o esboço se torna algo dado: o quadro. Neste, o esboço deixa de
existir. O antesmente onde vive o poético não é semelhante ao que vem antes do
que está dado e que logo fará parte do mundo dado, como o esboço que se torna
quadro e assim morre. O antesmente poético nunca será dado, a não ser como
sentido inventado que subverte o significado do que está dado. Nenhum verbal
esgota o antesmente verbal e o faz deixar de existir. O antesmente não é o
verbal ou a palavra, mas também não é ideia pronta já pensada. Essa realidade
antesmente verbal só pode ser conhecida se experimentada, desde que aquele que
a experimenta também se coloque antesmente em relação ao que sabe e a tudo o
que parece definitivamente pronto e acabado, para assim devir outro, pondo-se
antesmente a si mesmo, mas na imanência do mundo, da vida e daquilo que ainda
não tem nome: “As coisas sem nome são mais ditas pelas crianças” ( Manoel de
Barros). Antes de estar na palavra, o sentido está nesse antesmente, mais como
parte de mundos a criar do que como parte de livros já lidos. Lá, o sentido não
está escrito ou dito, lá ele só pode ser pensado e sentido, tal como o embrião
de uma vida nova.
Manoel de Barros se formou em
Direito. No entanto, seu primeiro cliente foi também o último. Tratava-se de um
peixeiro que foi acusado de
desonestidade no uso da balança : na hora de pesar a mercadoria,
sorrateiramente ele apoiava o dedo para aumentar o peso de forma fraudulenta.
Uma senhora viu e acusou o peixeiro, abrindo um processo contra ele. Era a
palavra do peixeiro contra a da senhora que o acusava, pois não havia outra
testemunha, embora a fama do peixeiro não fosse boa. Manoel pediu para
conversar a sós com o peixeiro, e perguntou: “É verdade o que ela diz? Você
burlou o peso?” E o peixeiro respondeu: “É verdade.” Manoel pediu imediatamente
licença ao peixeiro e foi conversar com o dono do escritório de advocacia,
dizendo: "Desisto do caso, não vou defender esse homem: não é esse tipo
de falsidade e mentira a invenção de que gosto”.
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