Foi quando eu fazia o antigo segundo
grau, ainda sob a ditadura militar, que eu descobri a política. O regime
militar tentava escondê-la, sufocá-la,
exterminá-la. Mas não conseguiu matá-la. E foi lá em Marechal Hermes, em um colégio
para filhos de trabalhadores, que a política foi nos encontrar. Foi a maior descoberta
da minha vida , pois foi ali que o mundo começou a fazer sentido, e estudar
história , geografia e até mesmo literatura ( não tínhamos filosofia e sociologia ainda), não era apenas
ler livros, mas ler o mundo. Não foi em sala de aula que esse encontro com a
política aconteceu, pois a política estava
proibida de pisar lá. Foi no auditório
do colégio que ela nos achou. Explico: àquela época, eu e um grupo de alunos
queríamos fazer o grêmio estudantil, porém o diretor do colégio, um simpatizante
dos milicos, proibia. A gente não sabia que organizar um grêmio já era fazer
política. Então, a gente fingiu que
estava fazendo uma peça. Mas a gente se
reunia mesmo era para começar a organizar
o grêmio. Quando o diretor reaça aparecia para espionar, a gente fingia que
estava ensaiando uma peça. Ele perguntava: “cadê o roteiro?”, e a gente
respondia: “é uma peça experimental sem roteiro, coisa nova: ‘teatro do absurdo’
de um tal de Ionesco...”. E o reaça se ia, desconfiado. Até que um dia entrou
um homem no auditório e nos deu um livrinho mimeografado. Ele nos disse: “Não
deixem o diretor ou os professores apanharem
vocês com isso! Leiam escondido!”. A gente nunca tinha visto aquele homem. Na capa do livrinho estava
escrito: “Manifesto Comunista, de Marx e Engels”. Quando a gente abriu para
ler, veio o susto: a gente não sabia que palavra podia pôr abaixo a ordem do
mundo. Aquelas palavras nos puseram no mundo, mundo este no qual a gente se
achava, até ali, meio estranhos nele. Corremos atrás de mais palavras assim:
que não fossem apenas letras no papel. E foi assim que descobrimos depois
Bakunin ( que me tocou mais, confesso... ) e
Rosa de Luxemburgo; mas também Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Darcy
Ribeiro , Sérgio Buarque de Holanda e o que mais nos ensinou em termos de
política: Zumbi dos Palmares. Escola sem política, como quer esse governo, não
é escola: é caserna, fábrica de alienados ou prisão para adestramento forçado.
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