sábado, 13 de abril de 2019

o Quilombo-Grêmio



Foi quando eu fazia o antigo segundo grau, ainda sob a ditadura militar, que eu descobri a política. O regime militar  tentava escondê-la, sufocá-la, exterminá-la. Mas não conseguiu matá-la. E foi lá em Marechal Hermes, em um colégio para filhos de trabalhadores, que a política foi nos encontrar. Foi a maior descoberta da minha vida , pois foi ali que o mundo começou a fazer sentido, e estudar história , geografia e até mesmo literatura ( não tínhamos  filosofia e sociologia ainda), não era apenas ler livros, mas ler o mundo. Não foi em sala de aula que esse encontro com a política aconteceu, pois  a política estava proibida de pisar lá.  Foi no auditório do colégio que ela nos achou. Explico: àquela época, eu e um grupo de alunos queríamos fazer o grêmio estudantil, porém o diretor do colégio, um simpatizante dos milicos, proibia. A gente não sabia que organizar um grêmio já era fazer política. Então,  a gente fingiu que estava  fazendo uma peça. Mas a gente se reunia mesmo era  para começar a organizar o grêmio. Quando o diretor reaça aparecia para espionar, a gente fingia que estava ensaiando uma peça. Ele perguntava: “cadê o roteiro?”, e a gente respondia: “é uma peça experimental sem roteiro, coisa nova: ‘teatro do absurdo’ de um tal de Ionesco...”. E o reaça se ia, desconfiado. Até que um dia entrou um homem no auditório e nos deu um livrinho mimeografado. Ele nos disse: “Não deixem o diretor ou os professores  apanharem  vocês com isso! Leiam escondido!”. A  gente nunca tinha visto  aquele homem. Na capa do livrinho estava escrito: “Manifesto Comunista, de Marx e Engels”. Quando a gente abriu para ler, veio o susto: a gente não sabia que palavra podia pôr abaixo a ordem do mundo. Aquelas palavras nos puseram no mundo, mundo este no qual a gente se achava, até ali, meio estranhos nele. Corremos atrás de mais palavras assim: que não fossem apenas letras no papel. E foi assim que descobrimos depois Bakunin ( que me tocou mais, confesso... ) e  Rosa de Luxemburgo; mas também Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro , Sérgio Buarque de Holanda e o que mais nos ensinou em termos de política: Zumbi dos Palmares. Escola sem política, como quer esse governo, não é escola: é caserna, fábrica de alienados ou prisão para adestramento forçado.





Nenhum comentário: