sexta-feira, 22 de março de 2019

o que pôs o homem de pé


Segundo Fernando Pessoa, no início dos tempos o homem andava de quatro, como um cão. Sua coluna vertebral era paralela ao chão, parecendo um travessão . E sua cabeça estava voltada sempre para baixo, a procurar por sobras , restos e rastros.  O que pôs o homem de pé, segundo o poeta,  não foram os pés. O homem foi elevando-se quando seus olhos se desterritorializaram do chão e se reterritorializaram no céu aberto  acima dos interesses rasteiros . E foi assim que nasceu o desejo: em latim, “desiderare”, “ir às estrelas”.
De pé, vista de lado, a coluna vertebral se assemelha a um ponto de interrogação , pois é o interrogar que pôs e põe o homem de pé : o interesse estreito, ao contrário,  o coloca de quatro, enquanto o medo o põe de joelhos.                                                                                                          


                                                                                                     
“Em qualquer lugar onde o homem experimentou se pôr de pé, ele próprio se tornou o centro do grande círculo, e o começo de um caminho”. (Clarice Lispector)

(imagem: “Poesia”, Haroldo de Campos)













Segundo Deleuze, a reterritorialização que se segue a uma desterritorialização nunca é uma adaptação, mas sempre uma criação de novos meios por agenciamento. Por exemplo, a mão humana nasceu da desterritorialização da pata  do território da locomoção seguida de  sua reterritorialização sobre um pedaço de galho que, por sua vez,  se desterritorializou da árvore e se tornou bastão, instrumento, potencialização da ação. A reterritorialização criou não apenas a mão: ela  criou  também  a técnica. Criar algo novo nunca é um ato isolado, mas sempre um agenciamento, como o agenciamento mão-utensílio. A desterritorialização dos olhos e sua reterritorialização no infinito criou os olhos poéticos-filosóficos e a substância infinita que tais  olhos veem e pensam, tal como a viu e pensou Espinosa.


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