sábado, 16 de março de 2019

a criação do homem


Zeus concedeu a Prometeu e Epimeteu a tarefa de  criar os seres vivos. Zeus fez apenas duas  exigências: “Que cada ser receba uma qualidade para ser a sua essência  e que se capriche na criação do ser humano”. Prometeu era o mais indicado para realizar a obra, mas precisando    se ausentar pediu então a Epimeteu para começar a obra: “Mas não se esqueça do homem!”, advertiu antes de sair.  Epimeteu resolveu começar a obra  pelos animais.  Em  alguns  ele pôs  a força; noutros ele colocou a velocidade. Outros receberam o dom de voar; o veneno receberam  outros. Enfim, Epimeteu foi esvaziando a despensa da natureza... Chega Prometeu para inspecionar a obra e , com preocupação, grita: “Onde está o homem!?”  Epimeteu aponta para o barro: o homem era ainda um simples esboço no barro ( “homem” vem  do latim “húmus”, “barro”). Prometeu percebe então que precisa pedir auxílio aos deuses para fazer o homem.
Prometeu buscou Hefesto, o deus artesão-operário. Este deu a Prometeu, para este dar aos homens, a habilidade de usar as mãos. Nascia assim a técnica e, com ela, o homo faber. Este homem já não aceita simplesmente a natureza externa: ele a transforma.  Todavia, apenas usar as mãos não foi suficiente, pois as feras conseguiam sobrepujar tal homem. Prometeu busca a ajuda de Atena, a deusa da sabedoria. Esta dá a Prometeu , para este   pôr nos homens, a inteligência. Os homens aprendem a contar , a escrever e  a teorizar. Nasce o homo sapiens.
Mas os que receberam a inteligência não foram os mesmos que receberam a habilidade técnica-manual. Entre  os que sabem empregar as mãos e os que só sabem teorizar nasce uma inimizade: cada um via no outro apenas a ausência  da qualidade própria. Surgia assim  a intolerância :  não viam entre si nada de comum.  Prometeu resolve ir então diretamente a Zeus . Este aceita conceder a Prometeu, para este pôr nos homens, o sentido ético da justiça. Zeus fez uma exigência: que este afeto  seja colocado em todos os homens , somente o senso ético tornaria os homens inteiros. Prometeu instala esse  afeto pela justiça no coração do homem, libertando-o  da guerra  entre a teoria e a técnica,  entre o cérebro e as mãos. É esse afeto  que equilibra o homem, o equilibra primeiramente por dentro, para que assim ele possa se equilibrar na relação com os outros. Nasce, dessa forma, o homo eticus. Os homens aprenderam a cooperar: e assim nasceu a sociedade.
Contudo, por muito tempo não durou  o governo da sensibilidade ética. Como sabiam  escrever  e desconfiavam da sensibilidade, os teóricos criaram as leis. Depois criaram o  Estado, que se tornou   monopólio deles. Nasceu assim o déspota impondo a crença de que tinha  uma origem diferente: não o barro, mas o ouro. O déspota criou uma casta de sacerdotes e juízes com privilégios, bem como um exército para reprimir os herdeiros de Hefesto-Operário, reduzindo-os a servos presos a  grilhões. O homem passou a ser então a serpente e o lobo do outro homem... Ao ver o que se tornou sua obra, novamente Prometeu com indignação gritou: “Onde está o homem!?”  Os que não são surdos a tal grito  se apresentam,  resistindo  aos déspotas e quebrando  grilhões.



( o texto acima que escrevi  é uma interpretação do poema de Hesíodo "Os trabalhos e os dias")


Nenhum comentário: