Às vezes me
perguntam por qual razão cito tanto Manoel de Barros...rs... Manoel é um dos
meus poetas preferidos, há outros. Porém Manoel é mais do que um poeta, ele é
um grande pensador, um dos maiores que já tivemos.
Há nele mais do
que uma “poética”, há uma original e singular “empoética”. Dessa palavra nasce
um verbo-acontecimento: “empoemar”. Para Manoel, ler poesia não é apenas ler
rima e versos, ler poesia é, antes de tudo, empoemar-se.
Há os que se
empoemam e cantam, há os que se empoemam e pintam, há os que se empoemam e
ensinam, há os que se empoemam e aprendem, há os que se empoemam e agem.
Empoemar-se é intensificar a vida em nós.
Quando eu fazia
o antigo segundo grau, ainda muito jovem, tive uma aula de literatura na qual a
querida professora leu para nós um poema de Fernando Pessoa: “Para ser grande”.
Confesso que , na hora, não entendi nada do poema.
O poeta não
apresentava fórmulas, receitas, palavras de ordem, dogmas. Ele apenas dizia que para sermos grandes devemos
ser sempre inteiros e imitarmos a lua. Eu ouvia a palavra “lua” de forma
literal, “coisal”. E a literalidade muitas vezes tolhe as asas que as palavras podem
e devem ter, para que assim descubramos nossas próprias asas, como o Eros e
suas asas metamórficas de borboleta.
Mas fiquei com o
poema na cabeça... A aula era à tarde e havia chovido muito. Quando sai do
colégio, já estava anoitecendo. Aqui e ali , poças d’água eu via pelo caminho, o
temporal havia terminado há pouco.
Eu vinha de
cabeça baixa, olhando para o chão, pensando nos problemas da vida. Até que, de
repente, vi numa poça d’água o reflexo da lua. Era uma lua cheia linda, como a
que fez ontem. De imediato, levantei mais do que a
cabeça para olhá-la, também levantei a mente, o coração, a imaginação, enfim, o
pensamento.
Sem precisar de
força bruta, apenas com sua presença luminosa, a lua no céu havia afastado as
nuvens carregadas e cinzas da tempestade,
assim brilhando inteira.
Ao brilhar na
poça, a lua não se colocava pela metade ou em parte, ela se colocava inteira.
Ela nada perdia em se mostrar assim , mesmo na mais simples poça. Ao contrário,
ela dignificava a poça e a transformava em um oceano para (auto)descobertas.
Então,
compreendi enfim o poema, e a própria lua me ensinou o sentido; e o compreendi
não apenas com a mente, o compreendi também com meu corpo e com tudo o que nele pulsa. Creio que
foi ali que vivi meu primeiro empoemamento. E o que hoje sou, nasceu ali.
( Imagem: a lua em van Gogh)
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