quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Fernando & Manoel: empoemamentos...

 

Às vezes me perguntam por qual razão cito tanto Manoel de Barros...rs... Manoel é um dos meus poetas preferidos, há outros. Porém Manoel é mais do que um poeta, ele é um grande pensador, um dos maiores que já tivemos.

Há nele mais do que uma “poética”, há uma original e singular “empoética”. Dessa palavra nasce um verbo-acontecimento: “empoemar”. Para Manoel, ler poesia não é apenas ler rima e versos, ler poesia é, antes de tudo, empoemar-se.

Há os que se empoemam e cantam, há os que se empoemam e pintam, há os que se empoemam e ensinam, há os que se empoemam e aprendem, há os que se empoemam e agem. Empoemar-se é intensificar a vida em nós.

Quando eu fazia o antigo segundo grau, ainda muito jovem, tive uma aula de literatura na qual a querida professora leu para nós um poema de Fernando Pessoa: “Para ser grande”. Confesso que , na hora, não entendi nada do poema.

O poeta não apresentava fórmulas, receitas, palavras de ordem, dogmas.  Ele apenas dizia que para sermos grandes devemos ser sempre inteiros e imitarmos a lua. Eu ouvia a palavra “lua” de forma literal, “coisal”. E a literalidade muitas vezes tolhe as asas que as palavras podem e devem ter, para que assim descubramos nossas próprias asas, como o Eros e suas asas metamórficas de borboleta.

Mas fiquei com o poema na cabeça... A aula era à tarde e havia chovido muito. Quando sai do colégio, já estava anoitecendo. Aqui e ali , poças d’água eu via pelo caminho, o temporal havia terminado há pouco.

Eu vinha de cabeça baixa, olhando para o chão, pensando nos problemas da vida. Até que, de repente, vi numa poça d’água o reflexo da lua. Era uma lua cheia linda, como a que fez   ontem. De imediato, levantei mais do que a cabeça para olhá-la, também levantei a mente, o coração, a imaginação, enfim, o pensamento.

Sem precisar de força bruta, apenas com sua presença luminosa, a lua no céu havia afastado as nuvens carregadas e cinzas  da tempestade, assim brilhando inteira.

Ao brilhar na poça, a lua não se colocava pela metade ou em parte, ela se colocava inteira. Ela nada perdia em se mostrar assim , mesmo na mais simples poça. Ao contrário, ela dignificava a poça e a transformava em um oceano para (auto)descobertas.

Então, compreendi enfim o poema, e a própria lua me ensinou o sentido; e o compreendi não apenas com a mente, o compreendi também com meu  corpo e com tudo o que nele pulsa. Creio que foi ali que vivi meu primeiro empoemamento. E o que hoje sou, nasceu ali.


( Imagem: a lua em van Gogh)








Um comentário:

cauepizindim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.