Segundo Manoel de Barros, poeta não é exatamente quem faz rimas e
versos, poeta é quem possui e exerce uma
visão fontana, uma visão que é fonte para a gente potencializar ainda
mais o nosso ver.
“Fontana” é a qualidade de tudo o que
é fonte, seja fonte de água ou de ideias, e “fontanejar” é a maneira que toda
fonte tem de sair de si e se doar, generosamente : “A cisterna contém, a fonte
transborda” (Blake).
A visão fontana não é uma visão que constata o
meramente dado; ao contrário, ela é uma visão que vê , antes, o sentido
enquanto alma viva das coisas, sobretudo
daquelas que ainda não existem e precisam ser ousadas, criadas, aprendidas e
ensinadas.
As águas que nela fontanejam a
fonte as sorve do chão. Porém, antes de estarem sob o chão, essas mesmas
águas já estiveram, outrora, no céu
: elas foram gotículas suspensas no alto da atmosfera , e depois
caíram como chuva que entrou pelos poros
da Mãe-Terra.
Essas mesmas águas fontanas também
já circularam no interior dos animais, como sangue e suor ; elas foram
igualmente fluxo de primavera quando a
neve no pico das montanhas derreteu; essas águas fontanas já foram orvalho nas flores, seiva nos troncos
e ,nos frutos, o doce sumo; elas já foram lágrimas de dor, lágrimas de alegria;
e envolvendo e protegendo o feto, essas mesmas águas já foram líquido vital no interior da placenta.
Um dia tais águas fontanas sustentaram
a Terra, como nos faz crer Tales, o pensador originário; e Cristo fez delas
vinho, o sangue de toda festa; e é nesse fluxo de vida sem limites que nada e mergulha, livre, a indomável Moby
Dick.
E todos, insetos e humanos, flores e
animais, até mesmo a Terra, todos bebem dessas águas fontanas para se manterem
vivos.
É esse fluxo que se metamorfoseia e
enche de vida tudo ( como a Natureza Naturante de que fala Espinosa) , é essa Vida transbordante que o poeta vê e sente , primeiro nele, para
fazer com que a palavra por ele fontaneje e seja como água fértil para os que têm
sede de vida potente.
Enfim, como também ensina o
pensador-escritor argentino Julio Cortázar: “Há um estado de intuição para o qual
a realidade, seja ela qual for, só pode ser formulada poeticamente, segundo
modos poemáticos; e isso porque a
realidade, seja ela qual for, só se revela poeticamente”.
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