sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Tempo Novo

 

Assim diz o filósofo Sêneca:  quando um amigo nos empresta um bem que lhe pertence permitindo que o usemos, na hora de devolvê-lo geralmente prestamos conta ao amigo de como usamos o bem que ele, generosamente, nos emprestou.

Ficamos felizes quando  mostramos  ao amigo que o bem foi usado com   cuidados, como se nosso fosse . Enfim, se nutrimos verdadeira amizade pelo amigo, ficamos gratos e devolvemos o bem  com um sorriso nos lábios, sem apegos egoicos .

Mas quem  se apega injustamente  ao bem que lhe foi emprestado por um amigo  e,  ingratamente , se apodera   como se fosse o dono , quem assim procede na verdade usurpa, faz mal uso do bem recebido, e  verá o amigo como inimigo :  viverá atormentado com a possibilidade de que o dono verdadeiro do bem  um dia bata à porta e venha buscar o que de fato lhe pertence.

Sêneca argumenta que há um bem que nos foi emprestado  de maneira semelhante, bem esse que é o mais valioso entre tudo aquilo que estimamos ser um bem. Esse bem que recebemos é o tempo.

O tempo é o bem dos bens, expressão primeira da vida. Não somos os donos ou proprietários desse bem, dele somente podemos exercer usufruto  = “usar o fruto”.

O bom uso do fruto não é devorá-lo para matar apenas  a fome imediata, e pior ainda é  deixar os frutos apodrecerem no pé, ignorados...

Usa bem o fruto quem também o planta  para que dele frutifique a árvore de amanhã, plena de novos frutos a serem colhidos. Quem sabe  plantar da vida os frutos, igualmente se frutifica nos frutos que nascerão.

Quem nos deu o fruto-tempo foi a Natureza, a mesma de que fala Espinosa. Um dia, teremos que devolver esse bem. E provará que soube  ter vivido , não importando quantos anos tenha sido ou o que na sua vida tenha acontecido , aquele que devolver esse bem como um amigo , grato  por poder ter desfrutado da melhor maneira  o bem recebido.   

Sêneca chama de “Amor Fati” a esse desfrutar do fruto-tempo que alimenta tudo o que vive. Ao contrário, ódio, rancor , ressentimento, ignorância...são frutos apodrecidos que envenenam a vida, a própria e a dos outros.

“Desfrutar” significa  : “abrir o fruto  para saborear”. Não por acaso, a palavra sabedoria é prima da palavra “sabor”. Pois o saber é potência de criar  o gosto que aprecie os frutos que a vida oferece para colhermos e partilharmos.

 Porém, como ensina Nietzsche, não basta o fruto estar maduro para nós , é preciso que , primeiro, o nosso gosto também esteja maduro para o fruto . É o (auto)conhecimento emancipador  que potencializa e  matura nosso gosto para o saber e seu sabor libertário.

Desejo às amigas e amigos que a árvore do tempo  nos ofereça em 2023  frutos  que possamos desfrutar com o gosto partilhado da amizade, da educação, da democracia , da  saúde, da justiça e da poesia.

 




“Aprender dá-me sobretudo prazer porque me torna apto a ensinar! E nada, por muito elevado e proveitoso que seja, alguma vez me deleitará se guardar apenas para mim o seu conhecimento. Se a sabedoria só me for concedida na condição de a guardar para mim, sem a compartilhar, então rejeitá-la-ei: nenhum bem há cuja posse não partilhada dê satisfação.” ( Sêneca , “Cartas a Lucílio” / trecho da Carta 6 ; o trecho que interpreto no texto da postagem é da Carta 1).



 








 

Nenhum comentário: