terça-feira, 20 de dezembro de 2022

aniversário de Manoel de Barros

 

Ontem, 19/12, foi aniversário de Manoel de Barros. Em homenagem ao querido pensador-poeta, segue uma interpretação que fiz de um dos poemas dele  que mais gosto:

O filósofo Deleuze ensina que só conseguimos mudar alguma coisa fazendo agenciamentos, pois ninguém muda nada, inclusive a si mesmo, sozinho . No coração da palavra agenciamento se encontra o termo “agente”. Mas o que é um agente?

Um agente pode ser qualquer coisa que favoreça um agenciamento. Por exemplo, uma música pode ser o agente de um agenciamento. Também podem ser o agente de um agenciamento um livro, um filme, um quadro...

Mesmo algo considerado inútil pelo poder dominante pode servir a agenciamentos cuja “utilidade” não se mede em dinheiro.

Nem sempre um agente para um agenciamento se mostra evidente. De certo modo, é preciso saber achar um agente para nossos agenciamentos, ou até mesmo criá-lo . Sobretudo, é preciso aprendermos nós mesmos a sermos um agente para agenciamentos que potencializem os outros quando eles se encontram conosco. Quando nos agenciamos para mudarmos uma situação social, por exemplo, nos tornamos agentes uns dos outros.

No poema “Aventura”,  Manoel de Barros  narra a potência que pode ter um agenciamento: o agente do poema é um pote que o poeta encontra no meio do mato jogado fora de "barriga vazia para cima".

Não faz muito tempo esse pote deve ter sido o centro das atenções: todos ficavam felizes e o queriam perto. Ele assim era tratado por guardar algo que despertava interesse ( talvez ele tenha sido um pote de sorvete...).

Tamanha deve ser a dor que o pote sente agora, abandonado . Rejeitado pelos homens após estes o sugarem, apenas a natureza quis o pote. A natureza nunca despreza: ela recebe e regenera, preenche vazios - disso também já sabia Espinosa.

“Inútil”, o pote já não servia para nada, a não ser para metamorfoses, pois é isto que a natureza produz em tudo aquilo que, ao receber os cuidados dela , sofre um contágio, uma comunhão: "depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas", pressagiou o poeta.

Tempos depois, o poeta teve que passar pelo mesmo lugar ermo. Lembrou do pote e se preparou para rever aquela imagem triste do sofrimento.

Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta soubesse, um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma semente em seu ventre vazio.

Ali já havia areia e cisco que a natureza depositou: “as chuvas e os ventos deram à gravidez do pote forças de parir". E onde antes crescia o vazio, um poema vivo o pote partejou: do ventre do pote um pé de rosas desabrochou...

"Se a gente não der o amor ele apodrece dentro de nós”, agradeceu o poeta ao pote por essa lição que recebeu sob a forma de rosas. Em seu agenciamento com o pote, o poeta metamorfoseou as rosas que recebeu em poesia que generosamente nos oferta.








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