Liberdade não é o mesmo que
libertário. Um fascista acha que liberdade é poder ameaçar a democracia, um
militarista delira que liberdade é poder
fazer culto de armas, um liberal imagina que liberdade é poder comercializar e
privatizar a vida.
Já libertário é tudo aquilo que
enseja ações antifascistas,
antimilitaristas, antimercadoras da vida.
Um livro, um poema, uma filosofia...podem ser
libertários, desde que despertem ações
libertárias na prática, aqui e agora.
A primeira vez que li a palavra
libertário foi num livro de Maiakóvski , cuja poesia era definida como
libertária. Foi após ler Maiakóvski,
quando eu fazia o antigo segundo grau, que vivi este acontecimento :
Certa vez, para não dar trabalho à minha
mãe e exercer um pouco de autonomia , fui lavar uma calça jeans minha . Naquela
época, as calças jeans eram de cor azul escura, padrão. Não tínhamos máquina de
lavar: lavei a calça com as mãos, no tanque. Depois a coloquei para secar no
varal.
Horas depois, vi a calça caída com
uma das pernas imersa numa bacia que eu imaginava conter água e sabão (provavelmente um vento a derrubou ali).
No dia seguinte vi que não havia
apenas água e sabão na bacia, pois a perna que nela caíra estava completamente desbotada! Nunca
eu tinha visto um efeito assim. Algo em mim amou aquela diferença : mergulhei a calça inteira
na bacia com água sanitária...
Na manhã seguinte, vi a obra pronta:
estendida no varal, a calça parecia uma pintura de Pollock! Quando a coloquei , senti que vestia mais do que meu corpo: também vestia a minha
alma , que assim não estava mais nua.
Aquela calça se tornou mais do que
uma calça: ela se metamorfoseou em borboleta liberta de um casulo.
Antes de eu sair para o colégio, quem
primeiro me viu com a calça foi minha
mãe, que apenas disse : “cuidado, meu filho...”.
Só entendi a preocupação dela quando
cheguei na rua (ainda havia ditadura militar ): todos me fuzilavam com olhares armados com ódio, só por causa
daquela calça. Vestir-se com a diferença incomoda rebanhos homogêneos, “mesmais”, diria Manoel
de Barros.
Sentindo-me sozinho, até pensei em
voltar para casa, me despir da arte que ousei , vestir uma “calça-alma” acomodada e me esconder de mim. Mas tomei coragem e
segui em frente, e creio que foi ali que
o filósofo nasceu em mim.
Quando cheguei ao colégio, minha calça-alma diferente não foi bem recebida também ,
parecia que ela punha a nu os que vestiam uniformes, por fora e por
dentro.
Até que veio até mim, sorrindo, um
amigo do peito: o Jimi ( o nome dele era
Jorge, “Jimi” era um apelido por ele amar
Jimi Hendrix) . Ele olhou a calça com
aprovação , como se ouvisse uma nova música de Hendrix, e me perguntou : “Como você fez? Quero uma calça desse jeito também!”
E assim eu já não estava mais
sozinho...
(imagem : “Blue” / de Pollock)
-Poema de Maiakóvski:
- João Bosco & Maiakóvski:
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