terça-feira, 27 de dezembro de 2022

filosofia como doença, filosofia como clínica

 

              

 Wittgenstein dizia que a função principal da filosofia é a de terapêutica ou cura : cura da própria filosofia[1]. Somente a filosofia nos pode curar da filosofia, diagnosticava Wittgenstein. Mas de qual doença a filosofia é, ao mesmo tempo, o agente patológico e o médico? A  doença da linguagem metafísica. Segundo Wittgenstein, a metafísica é uma doença que acomete a linguagem filosófica, que assim ignora os seus limites: delira.

Autores como Sêneca, Epicuro e  Epicteto também prescreveram a filosofia como sendo, antes de tudo, uma terapêutica. Porém  eles foram médicos mais clínicos e acurados que Wittgenstein. De certo modo, eles são médicos que talvez pudessem curar Wittgenstein de Wittgenstein...

Pois Sêneca, Epicuro e Epicteto nos falam de uma linguagem primeira , uma linguagem que antecede essa a qual se refere Wittgenstein. Enquanto Wittgenstein se refere ao discurso externo que toma por objetos realidades que somente a ciência poderia  conhecer adequadamente e sem “metafísicas”,  os clínicos originários se situam no âmbito do discurso interno, aquele no qual a alma deve aprender a conversar consigo mesma. Não apenas falando a partir da razão , mas também falando e ouvindo a partir sobretudo do corpo, da sensibilidade, do inconsciente... É nesse registro imanente que um discurso pode ser saúde ou doença.

 Wittgenstein considera a linguagem da perspectiva de fora e em relação aos seus objetos, ao passo que os clínicos originários pensam a linguagem como meio de expressão da realidade dos pensamentos , dos desejos e quereres. Talvez nasça de um querer adoecido , fruto de um pensamento que não sabe conversar consigo, a opinião  que crê ser a filosofia uma doença...

Para aqueles clínicos originários, a filosofia é o remédio , o conversar consigo é o tratamento, e a (auto)ignorância a única doença a ser vencida.



[1] De uma perspectiva diferente, esse tema é tratado por Pierre Hadot no Prefácio que escreveu ao livro La philosophie como thérapie de l’âme, de André-Jean Voelke .


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