sexta-feira, 29 de julho de 2022

a língua das borboletas

 

Segundo o filósofo Espinosa, a pior fase da vida é a infância. Não em razão de haver algo ruim em ser criança. A infância é uma fase difícil  porque é nela que mais dependemos da qualidade dos adultos e instituições que nos cercam: se o adulto for um tolhedor, correm sérios riscos de serem amputadas as asas com as quais toda criança nasce. E às vezes essas asas são cortadas antes mesmo de se abrirem...

O adulto pode fugir dos maus encontros, mas as crianças são mais vulneráveis a esses  maus encontros, de tal modo que o tolhedor pode passar  para dentro da criança,  fazendo  crescer nela  um adulto ressentido de tesoura na mão também.

Mas se os adultos e instituições que cercam a criança potencializam e encorajam seus voos e descobertas, ser criança se torna a experiência mais rica que pode existir, e dela nascerá de fato um adulto que não deixará morrer seus devires-criança, devires esses que são incapazes de viver os adultos infantilizados pelo Poder Autoritário, Pai e Padrasto dos ressentidos e vingativos.

O filme “A língua das mariposas” fala do encontro de um menino com a educação que lhe abre e potencializa as asas. Como o filme é espanhol, nessa língua “mariposa” é o que nós chamamos de “borboleta”. Dessa forma, o título correto é “A língua das borboletas”.

Às vezes a sensibilidade da criança está enrolada dentro dela  como a língua da borboleta enrolada em torno de si mesma. Assim como a  língua da borboleta se desenrola quando se vê diante do néctar, a sensibilidade da criança se desenrola e se torna exploratória do mundo quando é apresentada ao néctar das ideias.

Pois as ideias que abrem a criança para o mundo são  também ideias para serem sentidas, provadas, saboreadas. Não por acaso, “saber” e “sabor” são palavras primas com origem comum : aprender  é “tomar gosto” pelo conhecer.

O filme se passa durante a ascensão do fascismo na Espanha. E a ascensão do fascismo é igual em toda época e lugar : lá como aqui, coturnos do ódio ameaçando pisotear os jardins onde crescem as flores multicoloridas e seus néctares. Mas antes de pisotearam os jardins, os coturnos da ignorância ameaçam os jardineiros, que são os artistas, os pensadores, os educadores, os libertários.

 A primeira vez que passei esse filme foi num curso para formação de professores que ministrei tempos atrás. Era uma turma só com professores aprendendo a ensinar. Como diz Deleuze, “o aprender vem antes do ensinar”. Poucos filmes nos ensinam tanto acerca da potência libertadora da educação. E também poucos  filmes nos  mostram com tanta indignação e dor  o horror que se torna  a face fascista quando ela se encarna na face cotidiana do vizinho, do parente, enfim, de quem se diz “homem de bem”.






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