quarta-feira, 27 de julho de 2022

o lápis do poeta

  

Nesta semana se comemora o Dia do Escritor/Escritora. Homenageando Manoel de Barros, deixo aqui minha homenagem também a todas as escritoras, escritores, leitoras e leitores. Enfim, a todos aqueles e aquelas  que agem para que a força esteja nas ideias e nos livros, não em armas.

Manoel de Barros só escrevia à mão sua poesia, e sempre a lápis. Nunca lapiseira de plástico, sempre lápis de madeira.

Curiosamente, “digitar” é um ato que faz parte da atividade de “bater”, “golpear”. Quem digita, bate com os dedos nas teclas. Já escrever à mão expressa outro tipo de movimento: desenhar.

Quem escreve agencia sua mão com o corpo do lápis, e por intermédio deste é nosso corpo que também escreve, com seus nervos e fibras, incluindo as do coração. Quem escreve à mão desenha, parecendo às vezes que o lápis também dança na ponta de seu grafite, como a bailarina equilibrada na ponta dos pés.

Para que na palavra também se expresse a pluralidade sensória da vida, mais adequado é o lápis do que teclados . Pois palavra digitada é 1 e 0 combinados segundo a lógica digital  binária, mas o grafite que o lápis liberta veio da imanência da terra: primo do diamante, o grafite é feito de carbono, base da vida.

O cérebro não funciona da mesma maneira quando se digita e quando se escreve à mão, quando se bate e quando se desenha, quando se golpeia e quando se dança.

Há certa violência em bater-digitar. Talvez essa seja uma das razões que explique porque os fascistas gostam tanto de violentar também as teclas e, por intermédio destas, as ideias (encontrando no meio digital um ampliador de suas violências físicas e simbólicas).

 Além disso, sem que saibamos, há o risco de o capital cibernético reduzir a algoritmos tudo o que digitamos nas redes sociais  , para assim nos oferecer como mercadoria aos novos mercadores de gente, sempre ávidos por inescrupulosos lucros.

Na madeira do lápis do poeta ainda vive e resiste a árvore que um dia fez parte do Pantanal que os criminosos hoje incendeiam , para tudo reduzir a pasto de gado obediente .

Por intermédio do lápis do poeta continuam a falar as árvores, as florestas, os bichos, as plantas, os pássaros , as paisagens, os verdes e seus infinitos tons, o azul e seus horizontes... Enfim, fala tudo aquilo que os destruidores da vida querem calar e matar. Por meio da  palavra libertária que ele cria e ensina, no lápis do poeta o grafite se torna diamante.

Nada contra o digitar, porém escrever à mão, a lápis, é ato mais afim ao poema que , como gente, também nasce: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”, escreve o poeta.







Um comentário:

cauepizindim disse...

Acontece aqui uma exposição de obras de Arthur Bispo do Rosário. Antes de ir ver, leio esse blog, enquanto espero. E, grata coincidência, foi numa busca pela obra de Bispo do Rosário no google, que cheguei no Multitudo. Também, foi nesse dia que corri o risco sobre o papel para desenhar as letras que seguem:

Trama e Urdidura
Uma louca homenagem à vida e obra do louco Arthur Bispo do Rosário
por robertomarques

Tramando A Vida, O Fio E O Desenho

Sobre o papel apóias tua pena.
Sem temor e sem dó,
Marcas um ponto de início
E deslizas a mão ao teu alvedrio.
E só.
Não havendo para tanto, outro limite
Que não o do papel e da tinta,
A desenhar tua história em movimento.
Ao sabor da vida e ao teu alvitre.
Até o ponto em que paras o tento
E elevas a pena já pura
Para ver o risco que correste
Tramando contra a urdidura.