A nave Voyager , enviada ao espaço há
mais de 30 anos, ultrapassou as fronteiras
do sistema solar: ela agora
navega no oceano desconhecido do cosmos.
As últimas coisas que a nave viu não
foram sóis ou estrelas , mas os
berçários nos quais estrelas e sóis
nasceram . A nave é como uma
carta que tem apenas o endereço do
remetente : o planeta terra. E seu
destino lembra o daquelas mensagens lançadas ao mar no interior de uma garrafa.
A Nasa colocou um cd feito de ouro nessa nave. Há sons gravados
no cd : são mensagens com as quais
desejamos expressar quem somos ao
cosmos. O ouro foi escolhido pela sua durabilidade, não pelo seu valor monetário.
Esse disco-cd pode durar até um
milhão de anos, tempo superior ao que os cientistas supõem que a humanidade
ainda durará.
Daqui a um milhão de anos , talvez
sejamos apenas o relato de certo ser estranho já extinto , um mistério a
decifrar gravado num disco de ouro.
Estão gravados no disco , como poéticos testemunhos do que
somos e sentimos: sons de grilo e sapo;
uma baleia cantando; as batidas do coração de um recém-nascido, e as primeiras
palavras de sua mãe quando ele abre os olhos; o som das ondas cerebrais de uma
jovem que acabou de se apaixonar; um cão
latindo feliz com o retorno à casa de seu amigo-dono; o estalar de um beijo; sons de chuva e vento; o
ribombar de um trovão ; o estrondo de um vulcão que acaba de acordar; risos de
crianças brincando; o som suave de uma página de livro sendo folheada; e um
“bom dia” dito em diferentes línguas e
dialetos, feito uma multitudo sonora.
Daqui a um milhão de anos, talvez já
tenha virado pó tudo o que o dinheiro hoje compra; e apenas pó também
sejam o Paraiso e o Inferno que os fanáticos teológico-políticos
vociferam e em nome dos quais nos ameaçam com suas fogueiras ( literais e simbólicas). Mas
para que durem ainda muito nossas
vidas, que não tarde o dia em que
virarão pó o obscurantismo e a
necropolítica.
O poeta Manoel de Barros dizia :“
poderoso não é quem descobre ouro, poderoso
é quem descobre as insignificâncias”. As “insignificâncias” são pequenos
acontecimentos vitais cuja grandeza é ignorada pelos homens e suas
“importâncias”. Naquele disco da nave estão gravadas “insignificâncias” endereçadas a
olhos cósmicos .
Talvez sejam esses mesmos olhos que,
no aqui e agora, abrem-se no poeta
: alguém que vê essas “insignificâncias”
e as eterniza como palavra poética que
faz pensar, sentir e educa. São essas insignificâncias sentidas , vividas e partilhadas a verdadeira riqueza daquele
disco de ouro que enviamos à eternidade.
(na imagem, a primeira foto do
universo enviada pelo telescópio James Webb junto a uma pintura
expressionista de Pollock, ambas parecendo expressar o mesmo estilo e arte.
Nome da obra de Pollock : “Reflexões sobre a estrela Ursa Maior”, de 1947)
Nenhum comentário:
Postar um comentário