quinta-feira, 21 de julho de 2022

os galos...

 

1-Quem já viveu ou passou uma noite no interior, e tem o sono leve, já viveu isto: no meio da madrugada mais profunda, onde o escuro parece que é eterno e dominará a todos e a tudo, de repente ao longe um galo canta quebrando o silêncio .  

Como um pequeno fio de luz sonoro, esse canto entra no nosso sono,  sem nos despertar totalmente, apenas em parte.

Antes que o sono volte a nos anestesiar, um canto toca de novo  nossos ouvidos. Já um pouco mais despertos, a gente acha que é de novo o mesmo galo solitário cantando em desespero por estar acordado enquanto todos dormem. Mas na verdade é um outro galo que  veio  ajudar o primeiro galo a tecer, cantando, o que parece impossível: uma nova manhã.

Até que se  ouve um terceiro galo também cantando, e logo  um quarto se soma . Depois um quinto galo toma coragem e canta forte. Um galo  canta perto, outro muito longe lá no horizonte...

Já não é possível mais contar quantos galos agora cantam: são vários e, embora diferentes no canto e na voz, todos cantam a mesma mensagem : a nova  manhã que , antes  mesmo de o sol nascer, já é anunciada no perseverante  coro cantante que também é sol , desperta e aquece.

Então, no meio da noite  acontece o “milagre poético”:  agora dentro de nós  já despertos também ouvimos um galo a  cantar para ousar, apesar da treva, tecer com outros galos uma nova manhã que virá.

2-Escrevi esse texto hoje numa área de muito verde, após ser despertado pelos galos  na alta madrugada, quando  o galo que há em mim também despertou e  ,de forma simples e modesta , viu a manhã antes de ela nascer.

A esse coro dos  galos que ouvi  hoje somam-se outros galos que aprendi a escutar ao longo da vida. Esses outros  galos   tecem as  manhãs existenciais que nos despertam para a necessidade ética, pedagógica e política de tecer um porvir.

São também galos tecedores e fazedores de auroras, alvoradas e  amanheceres:  Espinosa, Lucrécio, Nietzsche, Clarice, Carolina de Jesus, Lima Barreto, Cláudio Ulpiano, Cartola, Manoel de Barros, João Cabral ...

E também se esforçam para ser galos , cada qual com sua maneira, voz e jeito, aqueles que ensinando, aprendendo, cuidando, trabalhando, enfim, agindo, apesar da noite tremenda, ousam  tecer juntos  um porvir.

Às  primas Cristina Martins, Fabiane Martins e Laura Martins, em agradecimento .



 

O acontecido me lembrou este poema de João Cabral:

 

“Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.”






Um comentário:

cauepizindim disse...

Escuto já,
Galos cantando:
LULA-LÁ !!!
Depois dessa noite,
Alvorada anunciando.
Basta ao açoite!
"Alvorada sorrindo...
Que lindo! Que lindo!
LULA-LÁ !!!