1-Quem já
viveu ou passou uma noite no interior, e tem o sono leve, já viveu isto: no
meio da madrugada mais profunda, onde o escuro parece que é eterno e dominará a
todos e a tudo, de repente ao longe um galo canta quebrando o silêncio .
Como um
pequeno fio de luz sonoro, esse canto entra no nosso sono, sem nos despertar
totalmente, apenas em parte.
Antes que o
sono volte a nos anestesiar, um canto toca de novo nossos ouvidos. Já um pouco mais despertos, a
gente acha que é de novo o mesmo galo solitário cantando em desespero por estar
acordado enquanto todos dormem. Mas na verdade é um outro galo que veio
ajudar o primeiro galo a tecer, cantando, o que parece impossível: uma nova
manhã.
Até que se ouve um terceiro galo também cantando, e logo um quarto se soma . Depois um quinto galo toma
coragem e canta forte. Um galo canta
perto, outro muito longe lá no horizonte...
Já não é
possível mais contar quantos galos agora cantam: são vários e, embora
diferentes no canto e na voz, todos cantam a mesma mensagem : a nova manhã que , antes mesmo de o sol nascer, já é anunciada no
perseverante coro cantante que também é
sol , desperta e aquece.
Então, no
meio da noite acontece o “milagre
poético”: agora dentro de nós já despertos também ouvimos um galo a cantar para ousar, apesar da treva, tecer com
outros galos uma nova manhã que virá.
2-Escrevi esse
texto hoje numa área de muito verde, após ser despertado pelos galos na alta madrugada, quando o galo que há em mim também despertou e ,de forma simples e modesta , viu a manhã
antes de ela nascer.
A esse coro dos galos que ouvi hoje somam-se outros galos que aprendi a escutar
ao longo da vida. Esses outros galos tecem
as manhãs existenciais que nos despertam
para a necessidade ética, pedagógica e política de tecer um porvir.
São também
galos tecedores e fazedores de auroras, alvoradas e amanheceres: Espinosa, Lucrécio, Nietzsche, Clarice,
Carolina de Jesus, Lima Barreto, Cláudio Ulpiano, Cartola, Manoel de Barros,
João Cabral ...
E também se
esforçam para ser galos , cada qual com sua maneira, voz e jeito, aqueles que ensinando,
aprendendo, cuidando, trabalhando, enfim, agindo, apesar da noite tremenda, ousam
tecer juntos um porvir.
Às primas Cristina Martins, Fabiane Martins e
Laura Martins, em agradecimento .
O acontecido
me lembrou este poema de João Cabral:
“Um galo
sozinho não tece uma manhã:
ele precisará
sempre de outros galos.
De um que
apanhe esse grito que ele
e o lance a
outro; de um outro galo
que apanhe o
grito de um galo antes
e o lance a
outro; e de outros galos
que com
muitos outros galos se cruzem
os fios de
sol de seus gritos de galo,
para que a
manhã, desde uma teia tênue,
se vá
tecendo, entre todos os galos.”
Um comentário:
Escuto já,
Galos cantando:
LULA-LÁ !!!
Depois dessa noite,
Alvorada anunciando.
Basta ao açoite!
"Alvorada sorrindo...
Que lindo! Que lindo!
LULA-LÁ !!!
Postar um comentário