O filósofo Deleuze ensina
que pensar é prática que se faz em conversação. Essa palavra vem de “con-versa”, cuja raiz é o termo “verso”. O
sentido original de “verso” é : “voltar-se para”.
Assim, “verso” significa
algo que não existe sozinho, pois está umbilicalmente ligado a outra coisa, tal
como o verso de uma página ou o verso de uma moeda, cujo existir implica a existência do outro lado delas, seu
anverso .
No poema, a palavra se torna verso porque seu anverso
é a sensibilidade que pensa e sente. Verso é palavra que nunca existe sozinha , pois ela é o corpo cujo anverso é o sentido que uma alma sentiu , pensou e
expressou por intermédio dela. Lendo ou escrevendo , quem poetiza
conversa consigo, com os outros, com a língua, com o cosmos...
Palavra que é verso nunca
é apenas palavra: ela é o lado visível cujo anverso devemos encontrar dentro de
nós, em nossa sensibilidade intensificada. Por isso, o sentido de um verso
nunca está apenas nele mesmo, seu sentido está também em nós que o lemos, lendo-nos.
Con-versar é : “voltar-se
para o outro.” O outro em sua diferença como parte do sentido que construímos
agenciados, cada um sendo verso e anverso do outro. Conversar não é só saber
falar, também é saber escutar, sobretudo
os silêncios.
A conversação interna, sem a qual não há
autoconhecimento, é prática de devirmos outro, para assim sermos, ao mesmo
tempo, a página na qual se escreve e autor que escreve na página, sempre procurando
escrever um sentido novo.
Em toda conversação se concorda
ou discorda das ideias apresentadas , pois a conversação argumentada é a base não só da
educação emancipadora , ela também o é da convivência democrática.
“Concórdia” e “discórdia”
têm por raiz a palavra “córdis”: “coração” ( no sentido amplo da palavra).
Assim, concordar é manter nosso coração, enquanto sede do Afeto, unido a uma
ideia que partilhamos com o outro. Discordar, ao contrário, é retirar nosso
coração de junto de uma ideia que outra pessoa defende.
Discordar não é a mesma
coisa que odiar. O ódio é mera destruição, ao passo que a discórdia nasce
quando separamos nosso coração da ideia que outra pessoa
professa, sem que isso signifique destruição ou agressão ao coração do outro.
Já o ódio é a vontade reativa de destruir não só as
ideias , mas sobretudo o coração do
outro enquanto núcleo de sua existência.
Os autênticos amigos não
só concordam, eles também sabem discordar
sem ferir o coração do outro.
Nas relações pessoais e
sociais não autoritárias ou monologais, não só a concórdia tem sua razão de ser, também o tem a
discórdia.
Não há aprendizado do conviver democrático apenas concordando sem nunca discordar, pois na convivência não tóxica das diferenças pode haver discórdias, sem que disso nasçam ódios.
"Sobretudo o verso é o que pode lançar mundos no mundo."(Caetano Veloso)
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